Comportamento
“A saúde mental está sendo afetada”
Em entrevista ao DP, Elis Radmann analisa como a pandemia impactou a vida da população gaúcha
Diário Popular - Como está a saúde mental dos gaúchos frente à pandemia?
Elis Radmann - A maior parte dos gaúchos está com medo, em média 70%. As pessoas têm receio de se contaminar, de precisar de tratamento médico e não ter o atendimento adequado. A população do grupo de risco tem receio de entrar no hospital e não ter o acompanhamento de seus familiares. O medo também está associado à precarização financeira. O nível do medo está relacionado à situação econômica de cada um. Quem está vivendo das economias, tem receio de ficar sem reservas. Quem não tem reservas, tem medo de passar fome e assim por diante. Como a incerteza é a palavra da vez, a saúde mental dos gaúchos está sendo afetada e os gestores públicos terão que observar os indicadores de depressão, violência doméstica e até suicídio.
Diário Popular - Se as pessoas estão com medo de se contaminar, aparentemente, nas ruas, no dia a dia, não é o que parece.
Elis Radmann - A sociedade se divide em três grandes grupos:
a) Os que defendem o isolamento social: são pessoas que têm condições econômicas para tanto (aposentados, funcionários públicos, pessoas com reservas econômicas e trabalhadores que podem fazer suas atividades remotamente).
b) Os que defendem a economia: são aqueles que precisam trabalhar. Essas pessoas dizem que “não existe trabalho sem saúde”, mas precisam estar nas ruas para conseguir pagar suas contas básicas e se alimentar. Não é uma questão de opinião, mas de realidade ou melhor, de necessidade.
c) Os negacionistas e/ou indiferentes: são o menor grupo da sociedade. Não acreditam no potencial da Covid ou até mesmo negam o vírus. Esse grupo é pequeno em termos de percentual, menos de 4%, mas pode fazer barulho e sua displicência tem um tom de afrontamento ao sistema.
Diário Popular - Quais os valores que passaram a ser questionados pela pandemia?
Elis Radmann - A pandemia desorganizou o nosso cotidiano, bagunçou uma sociedade que já tinha valores frágeis, associados ao jeitinho brasileiro.. Como tudo na vida, traz um lado bom e um ruim! De um lado, está ativando valores humanos. Diminui o individualismo e está fazendo as pessoas reavaliarem a importância da família e da educação financeira, a velha prática de ter alguma reserva. Por outro lado, está ampliando valores negativos, como a intolerância e a indignação. As pessoas estão com menos paciência e querem que o seu problema seja resolvido.
Diário Popular - Em recente artigo publicado no Diário Popular, disseste que “Para os gaúchos não há uma contradição entre saúde e economia, entre os que defendem o isolamento social e os que defendem a abertura do comércio. Não é uma questão de opinião. É uma questão contingencial, é uma questão de sobrevivência financeira.” Essa ‘fórmula’, porém, é o que mais causa problemas aos gestores na hora de tomar as decisões que impactam a vida da sociedade. É o caminho correto mesmo, analisar dia a dia e trabalhar com cenários?
Elis Radmann - A economia brasileira tem um terço de trabalhadores informais, que precisam trabalhar para sobreviver. Esse percentual é maior em Pelotas. Na perspectiva da população é necessário um equilíbrio entre saúde e trabalho. Quem não está conseguindo se manter financeiramente é categórico: “se eu não morrer do vírus, morro de fome”. Os gestores públicos têm uma difícil equação. Por princípio, precisam preservar a vida em primeiro lugar. Sem vacina ou tratamentos comprovados, a saída é o distanciamento social e a primeira ferramenta foram os indicadores que subsidiam o distanciamento social controlado, a definição das bandeiras. Mas a história da humanidade é feita de ciclos e superações, teremos que avançar. O desafio é conseguir manter as pessoas longes uma das outras e os negócios funcionando. Essa lógica terá que ser construída em conjunto, com negociação, com resiliência e com consenso. Significa rever o transporte coletivo, rever a forma de organização dos postos de trabalho na indústria, a forma como se dispõe as gôndolas nas lojas, como é feito o autoatendimento, etc. É um novo modelo mental, exige uma nova forma de organização do trabalho.
Diário Popular - O “novo normal” é uma realidade que chegará para todos? Já experimentamos isso? Onde?
Elis Radmann - Toda ruptura, toda “revolução” cria novas práticas, um novo cotidiano. Já passamos por isso na pandemia da gripe espanhola ou na Segunda Guerra Mundial. De um dia para o outro, somos privados de práticas corriqueiras, como ir a uma festa ou fazer um churrasco em família. De repente as crianças não podem ir à aula e nem brincar com seus amiguinhos. Estamos sendo impedidos de abraçar e beijar, de sermos afetuosos. São perdas que estão nos marcando e irão nos marcar por um bom tempo. O coronavírus será a grande marca do século XXI. Mas o ditado diz que “não há nada tão bom que não tenha algo de ruim e nada tão ruim que não tenha algo de bom”. Nesse momento, esse “novo normal” nos priva de muitas coisas, mas também nos coloca dentro de casa, no bojo da família, nos permitindo a olharmos para dentro de nós mesmos.
Diário Popular - É possível mensurar o impacto social da pandemia e o rastro que ela irá deixar pelos próximos anos junto à população, aos trabalhadores, a quem já vivia com grande dificuldade?
Elis Radmann - As projeções são feitas em cenários de crise e não em cenário de incertezas. É um cenário muito incerto. A ciência está aprendendo a lidar com o vírus, tentando consertar um avião em pleno voo. Não sabemos o tempo até a vacina e o tempo que precisaremos para voltar à normalidade. Também não temos claro os planos de reestruturação financeira e social da população.
Diário Popular - Como serão as campanhas eleitorais para prefeito e vereador? Serão, de fato, as eleições das redes sociais?
Elis Radmann - Será um cenário difícil para o eleitor e para o candidato. Será um teste de fogo: de um lado um eleitor descrente, impaciente, que quer solução para a pandemia. E de outro, candidatos que querem apresentar suas ideias para a cidade. Isso exigirá dos candidatos uma maior capacidade técnica e propositiva. Será uma campanha onde os candidatos precisam ter sensibilidade social, compreender as dores da população e mostrar como será o planejamento de saída da pandemia e, principalmente, o pós pandemia. Não haverá respostas para todos os anseios da população. A campanha de prefeito terá apelo na televisão (espaço onde se dá a massificação dos nomes), em especial, nos comerciais durante a programação. As campanhas irão crescer nas redes sociais, com ênfase para grupos de WhatsApp, e nesse caso, o papel será de relacionamento, de engajamento. O Facebook e o Instagram se prestam como vitrines, onde o candidato irá se apresentar. Mas a adesão irá ocorrer pelo Whats, com o encaminhamento de cards, de materiais temáticos que chamem a atenção dos eleitores. Exemplo: sou ciclista e recebo um material sobre mobilidade urbana, compartilho com meus colegas ciclistas. Será uma eleição que exigirá que os candidatos tenham muita produção de conteúdo e direcionamento personalizados dos mesmos. Mas isso não eliminará a necessidade de contato pessoal. A periferia exigirá a presença dos candidatos com votação geográfica, que recebem apoio de uma comunidade.
Diário Popular - As prioridades “tradicionais” dos eleitores frente aos candidatos serão invertidas por causa da pandemia ou permanecem as mesmas?
Elis Radmann - Os problemas continuam ou se intensificam e os candidatos terão que ter o mix de propostas para a cidade e para a gestão das sequelas da pandemia. Significa que terão que tratar dos temas tradicionais, como saúde, zeladoria do município (condições das ruas, da iluminação, no saneamento...), segurança pública e educação (que exigirá muito mais vagas na educação infantil). Agora, a pauta da Covid agrega os novos temas, como desenvolvimento econômico, que terá que mostrar como será a política de restruturação econômica de uma cidade com muitas sequelas financeiras. O tema do desenvolvimento humano pós Covid também será muito caro para a população. E o desenvolvimento humano e social traz consigo um conjunto de mazelas a serem administradas, desde a assistência social, passando pelos cuidados com a saúde mental e emocional, até a capacidade de mapear as deficiências pedagógicas que precisaram ser administradas após a pandemia. O candidato a prefeito terá que ter uma visão sistêmica com otimização de recursos, deve apresentar um plano de ação que resolva as crises causadas pela pandemia e projete o futuro da cidade.
Diário Popular - É muito provável que os novos prefeitos, eleitos em novembro, ainda irão administrar cenários de pandemia. O vírus terá peso no voto dos eleitores?
Elis Radmann - Sim, contraditoriamente, a pandemia será o grande debate em um cenário onde a população não aquenta mais falar em pandemia. O plano de governo dos candidatos terá que apresentar as ações de gestão da pandemia e as ações que serão implementadas após a pandemia. E como há uma saturação com o tema da pandemia, os eleitores darão um voto de confiança para quem conseguir mostrar o futuro, sinalizar um projeto de cidade.
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