Dignidade sem tamanho
A diferença está em centímetros. E só
Vamos desmistificar o nanismo? É o convite que o Diário Popular traz neste começo de semana: vem junto conosco derrubar o preconceito
A data é 25 de outubro, mas o chamamento é permanente. Neste Dia Nacional de Combate ao Preconceito Contra às Pessoas com Nanismo, o Diário Popular se junta a essa luta para fazer ecoar uma mensagem central: sonhos não possuem centímetros. Nesta segunda, portanto, o DP traz a palavra de duas famílias que enfrentam - com garra - a discriminação expressa das mais diferentes formas: de olhares curiosos e perguntas invasivas a risadas e piadas infames.
Neste 25 de outubro, o DP se junta à voz da carioca Rebeca Costa, que desde 2015 assumiu uma bandeira: desmistificar o nanismo. E faz isso através do projeto Look Little, nas redes sociais, e espalha informações, provocações e reflexões sobre o tema, com uma convicção: estudo e diálogo aberto serão os caminhos para construção de uma sociedade que não reduza nem limite cidadãos e cidadãs à sua estatura.
"A primeira modificação é olhar as pessoas com nanismo para além da sua identidade corporal", destaca. E o faz em tom de apelo.
O nanismo é um detalhe
Em frente à plateia durante as palestras, em vídeos disparados no Instagram ou ao pisar nas passarelas do São Paulo Fashion Week, o objetivo de Rebeca Costa é o mesmo: conscientizar a população. E para concretizar essa meta é fundamental que se assimile uma primeira mensagem: "Antes de qualquer laudo, condição ou diferença, vêm as trajetórias, as conquistas, a profissão que a pessoa escolher", reforça.
E é por isso que termos pejorativos como anão e anã devem ser eliminados do vocabulário. O correto é utilizarmos a expressão "pessoas com nanismo". Aos 28 anos, a advogada e influenciadora digital - nascida em Niterói - é a primeira pessoa com nanismo na sua família. E, juntos, foram em busca de esclarecimento. Uniram forças para derrubar o preconceito.
Hoje, parceira da Associação Nanismo Brasil (Annabra), Rebeca cobra políticas públicas de acessibilidade e se transforma em referência. Em exemplo de coragem. Ao ser questionada sobre orientações aos pais, indica um primeiro passo: "Não compare seu filho com ninguém. Não faça a deficiência um peso para o seu filho. Ele tá vivo, tá do seu lado. Tem uma deficiência, mas é possível", assegura.
E nesse processo de descoberta de um novo universo, outra dica importante: "Não apresente, não adiante as barreiras da vida. É preciso solucionar os problemas dando outras oportunidades".
"Hoje o padrão já não é mais um padrão"
Antes de despedir-se do DP, Rebeca Costa falou sobre a importância do autorreconhecimento: "É quando você sabe quem é você de verdade e quando você tem milhões de versões suas, se modificando, mas sem perder a sua identidade. Sem se perder de si". E é, justamente, este processo de reconhecer-se que permite que você se olhe no espelho, identifique-se e saiba que não há uma imagem, um modelo - imposto - a perseguir.
"Porque hoje o padrão já não é mais um padrão. Não existe mais isso: corpos-padrão. Todos nós somos diferentes e a diferença é um detalhe", destaca a palestrante. E lança a reflexão: "O que você tem feito com a diferença que você carrega ou que você vê no outro?"
#somostodosgigantes
O sorriso é contagiante. Sophia, de cinco anos, fica à vontade quando está em frente ao celular e ela mesma faz vídeos da hora em que saboreia o cereal de que tanto gosta. Brincadeiras na casinha de boneca. Momentos de diversão com o gato Alemão, o pet que passou a fazer parte da família durante a pandemia. Os saltos e ritmos descobertos nas aulas de capoeira. Um dia a dia movimentado, alicerçado em uma certeza: "Somos todos gigantes".
A frase que estampa camisetas serve de coragem aos pais Francine da Silva, 31, e Leonardo Aires, 40. Não raro, enfrentam o preconceito disfarçado em olhares desconfiados e perguntas sobre a idade da simpática Sossô. "Mas não sinto raiva. Entendo que chama a atenção".
Falar abertamente sobre o assunto, portanto, deve ser uma das estratégias para combater as condutas que se quer ver eliminadas da sociedade. "Tínhamos ideia, ainda antes da pandemia, de realizar encontros com outros pais, para trocar experiências, e para os nossos filhos perceberem que têm outras pessoas como eles, mas acabamos tendo que adiar", conta Léo.
É um plano a ser retomado em 2022. Afinal, há uma lista de reivindicações pela frente, não só para Sophia. Além de brinquedos que precisariam ser adaptados nas pracinhas para a criançada com nanismo até o atendimento em ambientes públicos e privados, em uma Pelotas e em um país mais inclusivos. "Vou andando pela cidade e prestando atenção em tudo, para ver se ela conseguiria usar", afirma Francine. "Porque no futuro ela vai ter as contas dela pra pagar. Vai ter uma vida normal", resumem os pais. Se possível, cercada de sorrisos largos.
Duas gerações e uma mesma luta
As risadinhas de mau gosto já não machucam como ocorria na infância e na adolescência, mas o jovem Vinícius Vergara, 26, faz questão de unir-se à luta contra o preconceito. Ele sabe bem os efeitos da discriminação. A mãe Rosane, hoje com 60 anos de idade, não virou vendedora de cosméticos e de lingerie por opção. Foi a alternativa que encontrou para os muitos nãos que precisou encarar cada vez que buscava emprego, na juventude. "Só estudei até a 4ª série, mas sei que não era por isso que não me contratavam. Nunca me deram oportunidade, diziam que não tinha vaga", conta.
Hoje, Rosane comemora o fato de o filho ter retomado os estudos. Vinícius está matriculado na Educação de Jovens e Adultos (EJA) para concluir o Ensino Fundamental que ficou para trás e já projeta o futuro: "Quero fazer Direito e ser delegado". Será um dos instrumentos para batalhar por dias melhores. Por visibilidade. Por dignidade.
Não raro as pessoas com nanismo enfrentam dificuldades para ações simples do dia a dia. Subir no ônibus, tocar uma campainha, fazer compras no supermercado, usar o caixa eletrônico. Adaptações e serviços que não os consideram. E se em meio a estas situações, a moradora do bairro Três Vendas identificar algum tipo de deboche, não tolera: "Eu vou pra cima e pergunto: 'Tá rindo por quê?' Não deixo mesmo. Sou muito explosiva", admite Rosane.
Já Montanha, como Vinícius é conhecido, garante: "Se tivesse que escolher, numa próxima encarnação queria vir pequeno de novo. Sou feliz", enfatiza. Ao chegar aos eventos, o promoter de festas já é reconhecido pelo público. E, embora muitas vezes seja contratado para comparecer de tequileiro, rei, duende, bebezão, Homem das Cavernas, Chaves... assegura não se sentir ridicularizado. "Vou pra curtir e azarar ao mesmo tempo. É massa. Gosto do jeito que me tratam".Alegra-se ao ouvir as palavras: "O grande, o gigante, o Montanha". E sustenta: "Nasci pra viver a história mais importante de todas: a minha".
Conheça o nanismo
* É uma deficiência de causa genética. Ou seja, qualquer casal pode ter um(a) filho(a) com nanismo.
* Em 80% dos casos, o casal não possui essa condição.
* Segundo a literatura médica há mais de 400 tipos catalogados.
* Existem duas categorias de nanismo:
- Desproporcional: o tipo mais comum é a acondroplasia, uma síndrome genética que impede o crescimento normal dos ossos longos (fêmur e úmero, especialmente), porque acelera o processo de ossificação das cartilagens formadoras de ossos. Isso faz com que as diferentes partes do corpo cresçam de maneira desigual.
- Proporcional ou pituitário: o desenvolvimento de todos os órgãos é harmônico, apesar de a estatura ser, pelo menos, 20% inferior à média da população da mesma idade e sexo. É causado por distúrbios metabólicos e hormonais, em especial pela deficiência na produção do hormônio do crescimento humano ou por resistência do organismo à ação desse hormônio.
Diga pessoas com nanismo
É o correto a ser utilizado.
As palavras anão e anã devem ser abandonadas. Além de serem extremamente agressivas para as pessoas com nanismo, os termos historicamente estão relacionados às ideias - equivocadas - de humor, fetiche e vitimismo.
Pelotas poderá ter Semana de Conscientização
Um projeto de lei, de autoria do vereador Sidnei Fagundes (PT), Sid, foi protocolado na Câmara de Vereadores de Pelotas para instituir a Semana Municipal de Conscientização e Defesa dos Direitos das Pessoas com Nanismo e criar o Dia Municipal de Combate ao Preconceito (também em 25 de outubro).
Pela proposta, a programação será realizada, sempre, na quarta semana do mês de outubro, anualmente. Através de seminários, palestras, debates e fóruns, poderiam entrar em pauta temas como formas principais de diagnóstico e tratamento, acesso ao mercado de trabalho e combate a todas as formas de discriminação.
"Precisamos conscientizar a sociedade sobre os direitos das pessoas com nanismo, fortalecendo o respeito, com enfrentamento do estigma e do preconceito", ressalta Sid, que tem longa caminhada na luta dos direitos e de uma melhor qualidade de vida das pessoas com deficiência.
O 25 de outubro pelo mundo
A data foi escolhida em homenagem ao aniversário de Billy Barty, ator e ativista norte-americano - já falecido - que passou a lutar pelos direitos das pessoas com nanismo. Para isso, fundou a instituição Little People of America.
Hoje, a data é celebrada em mais de 30 países do mundo. No Brasil, o 25 de outubro entrou para o calendário nacional em 2017, através da lei 13.472, de autoria do senador Romário Faria (PL).
Siga também!
- Rebeca Costa no Instagram: instagram.com/looklittle/
- Annabra: Associação Nanismo Brasil - annabra.org.br
Carregando matéria
Conteúdo exclusivo!
Somente assinantes podem visualizar este conteúdo
clique aqui para verificar os planos disponíveis
Já sou assinante
Deixe seu comentário