Festejo
À frente do tempo
Tito Madeira, que completa 106 anos nesta quinta-feira, pode ser considerado atemporal pelas lições que carrega e as passa através de quem o escuta
Carlos Queiroz -
Seu Tito tem quatro filhos, nove netos, 12 bisnetos e um trineto (Foto: Carlos Queiroz - DP)
Tito Lucas Madeira caminha com a ajuda da bengala do quarto até a sala. Cumprimenta os convidados com um sorriso no rosto e senta na poltrona. Observa enquanto a filha Malu fala com o repórter e o fotógrafo do Diário Popular. A reportagem foi nesta quarta-feira (5) até um apartamento na Cohabpel para conversar com Tito sobre os 106 anos que completa nesta quinta. Só a idade centenária já seria uma pauta e tanto. Porém, quando seu Tito começa a falar, fica claro que o número de anos vividos é indiferente. Poderiam ser 20, 50, 106 ou 200. Suas lições transcendem o tempo.
Tito é pai de três filhas e um filho. A primeira lição que surge vem desde o nascimento dos filhos. Cada criança, quando nasceu, ganhou um cachorro. O amor e respeito pelos animais foi passado para as gerações. Na casa da rua Andrade Neves, entre Barão de Azevedo Machado e Pinto Martins, onde a família foi criada, ninguém almoçava antes de alimentar os cães. "Não se senta à mesa com os cachorros de barriga vazia", conta. A parceria com os animais vem desde o tempo de Exército, na década de 40. Por dez anos enquanto serviu, Tito teve ao seu lado Noro, um pastor alemão. "Era meu parceiro", revela em meio às memórias daquele tempo.
Do Exército, aliás, surgem histórias que o fazem relembrar bons momentos. Da vez em que conheceu o ex-presidente Getúlio Vargas, para quem assou um churrasco próximo à ponte do Capão do Leão em fevereiro de 1942, quando a Escola Técnica de Pelotas - ETP - foi fundada, ou da amizade com o ex-presidente do Farroupilha, coronel Ewaldo Poeta, com quem conversava por telefone até o amigo falecer no ano passado. O respeito é uma das lições que seu Tito gosta de deixar claro. É falar e ouvir, seja a pessoa que for.
Família
São quatro filhos, nove netos, 12 bisnetos e um trineto. A família é o grande orgulho do seu Tito. Com ela, a casa está sempre cheia para o vô bem humorado, outra lição a ser pontuada. O mais novo dos Madeira, o pequeno Cauê de três anos, surpreende Tito cada vez. "Eu digo para o pai e a mãe dele. Não batam nele nunca. Esse guri é muito inteligente. Criem com conversa", afirma antes de repetir. "Zelo muito pela família. Nunca tivemos desavenças".
A filha Malu, a caçula de 65 anos, é quem cuida da rotina do pai. Engana-se quem acha que pela idade há muitas restrições. Tito segue tomando a cachaça que tempera com ervas, bergamota e, agora, após receber de presente, araçá. Todos os dias, junto com duas cuias de chimarrão, por volta das 11h antes do almoço. Os pratos preferidos são rabada e carne de porco. Arroz é algo que cansou. "Muito sem graça", brinca. O vinho também é bom companheiro. Um cálice no almoço e outro na janta. Mas é preciso ser tinto seco e em garrafa de vidro.
Seu Tito manteve o sorriso durante a conversa com a equipe (Foto: Carlos Queiroz - DP)
Mundo moderno
Na rotina ainda estão ir sentar no parquinho do condomínio e conversar com os vizinhos. O carinho com Tito é enorme. "Ele reclama quando não vamos. Nesta terça, por exemplo, tinha muito vento", conta a filha. Assistir à televisão é o meio de encarar o mundo atual. Aqui surgem outras duas lições: o respeito à mulher e a responsabilidade. Crítico do atual governo federal, que para ele tem ações que balizam a violência, Tito vê um momento complicado para as mulheres. "A mulher está no ponto de sacrifício. Dizem que tem que casar. Por que casar para morrer ali na frente com violência?".
Algo que também incomoda seu Tito é o trânsito atual e as inúmeras mortes. A velocidade nas rodovias e a mistura com o álcool o entristece. "É preciso ter responsabilidade. Ser responsável. Tem gente que dirige com garrafa de cachaça na mão. Atropelamentos, carros capotados. Isso me preocupa por causa deles", afirma apontando para uma das netas.
Entre os sorrisos, brincadeiras e memórias, as quase duas horas de conversa com o seu Tito parecem não passar. Assim como o tempo para ele.
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