Polêmica
Aborto na pauta do STF
Descriminalização da prática entrou em discussão e bispo de Rio Grande fala em nome da CNBB
*Com informações da Agência Brasil
A discussão em torno da descriminalização do aborto tomou conta do Supremo Tribunal Federal (STF) ao longo da última semana. Duas audiências públicas foram convocadas pela ministra Rosa Weber para ouvir diferentes setores da sociedade sobre o tema. Dentre eles, o bispo de Rio Grande, dom Ricardo Hoepers, que representou a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Ele conversou com o Diário Popular e explicou a visão da Igreja Católica sobre o tema. O assunto veio à tona porque o PSOL apresentou uma ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) pedindo a exclusão dos artigos 124 e 126 do Código Penal. O primeiro penaliza as mulheres que realizam o aborto com pena de um a três anos de reclusão. O outro refere-se a terceiros que interrompem a gravidez com o consentimento da gestante e tem pena de um a quatro anos.
O partido argumenta que esses artigos violam os preceitos fundamentais da dignidade da pessoa humana. Entre eles, o direito à cidadania, à liberdade, à igualdade e ao planejamento familiar. Por isso, pede ao STF que eles sejam excluídos. A ação tem como relatora a ministra Rosa Weber, escolhida de forma aleatória para a tarefa. Será ela a responsável pelo andamento do processo no órgão.
A decisão de convocar audiências públicas para debater o tema partiu da própria ministra. Antes do início das sessões ela ressaltou que o objetivo das audiências é ouvir os diferentes pontos de vista sobre o tema. Para ela, o assunto “perpassa questões de ordem ética, religiosa, moral e de saúde pública”. Ao todo, 53 instituições, ONGs e pessoas físicas foram ouvidas. Destas, 33 foram favoráveis à descriminalização.
Argumentos
Cada expositor teve 20 minutos para a sua fala. Aqueles que defenderam a liberação da prática pediram que o aborto seja tratado como um procedimento de saúde pública. As principais bases foram as estatísticas de morte materna em decorrência de abortos clandestinos. De acordo com o Ministério da Saúde, mais de 700 mulheres morreram entre 2006 e 2015 por esse motivo.
O número de mulheres que optam pelo aborto no Brasil é alarmante. A segunda edição da Pesquisa Nacional de Aborto (PNA), feita em 2016 pelo Anis Instituto de Bioética e pela Universidade de Brasília (UnB), aponta que 20% delas terão feito ao menos um aborto ilegal até os 40 anos. Só em 2015, mais de 500 mil mulheres interromperam a gestação nas zonas urbana e rural do país.
Ainda segundo a pesquisa, a mulher que aborta tem entre 18 e 39 anos, é alfabetizada, predominantemente de área urbana e de todas as classes socioeconômicas. A maior parte (48%) completou o Ensino Fundamental e 26% tinham Ensino Superior. Do total, 67% já tinham filhos. O estudo aponta também que a religião professada não é impeditivo para o ato, pois 56% dos casos registrados foram praticados por católicas e 25% por protestantes ou evangélicas.
As religiões, inclusive, tiveram uma manhã reservada para debater o assunto no STF. Sete dos 11 convidados manifestaram-se contrários à descriminalização. Entre eles, o bispo de Rio Grande dom Ricardo Hoepers, que conversou com o Diário Popular e explicou melhor o ponto de vista da Igreja Católica. Ele foi escolhido para falar ao STF em nome da CNBB pelo seu longo trabalho na área da bioética. Além disso, o tema de seu bispado é a passagem bíblica “Escolhe, pois, a vida”. O religioso é doutor em Teologia Moral pela Academia Alfonsiana de Roma e mestre em Bioética pela mesma instituição. Confira alguns trechos da entrevista:
Diário Popular - Muitas pessoas criticam a participação da Igreja nesse debate, alegando que o Brasil é um país laico. Como o senhor vê isso?
Ricardo Hoepers - Isso não é uma discussão religiosa. A CNBB participa do debate porque tem um papel importante na democracia. Defendemos a posição da Igreja Católica, baseada em evidências científicas, de que a vida se inicia na união do óvulo com o espermatozoide, nessa explosão de vida. Não podemos dividir a vida humana em pedaços. Isto é irracional.
DP - Se a prática foi descriminalizada, o senhor acredita que o número de abortos irá aumentar?
RH - Com certeza. Vivemos em uma sociedade promíscua, onde relações sexuais precoces são cada vez mais comuns. Tenta-se censurar a educação sexual nas escolas. Nós somos a favor dessa educação, desde que ela seja feita de forma humanizada. Para que o tema seja amadurecido e se tenha consciência das consequências das relações sexuais.
DP - Um dos grupos a participar dos debates foi o Católicas Pelo Direito de Decidir. De que forma este pensamento é visto?
RH - Este é um uso completamente equivocado do termo católicas. Não tem como conciliar as duas coisas. Não dá para dizer que acredita em Jesus e penalizar um inocente.
DP - Há alguma alternativa para essas mulheres que acabam buscando o aborto?
RH - Nós temos uma grande resposta: as casas de acolhida, que estão se espalhando pelo país. Elas ainda estão iniciando no Rio Grande do Sul, mas são fortes nas regiões Norte e Nordeste. As casas servem para ajudar essas mulheres, para acolhê-las. Muitas vezes elas se sentem sozinhas, abandonadas. Nós mostramos a elas que essa vida que elas carregam merece ser vivida e elas acabam optando por ter este filho.
DP - Elas se sentem sozinhas porque, na maior parte dos casos, existe o abandono por parte do pai da criança. Como resolver isso?
RH - A omissão dos homens é muito grande. Aquela criança tem o DNA do pai e da mãe. Os pais também precisam assumir a responsabilidade. Aí entra a importância da educação sexual, para mostrar aos homens os seus deveres. Eles não podem mais usar as mulheres como se elas fossem um objeto, sem assumir as consequências.
DP - O senhor é a favor do encarceramento das mulheres que abortam?
RH - Todo atentado contra a vida humana é um crime. Nós somos a favor de uma penalidade, sim, mas ela pode ser discutida. Esse ato não pode ficar sem punição.
Próximos passos
A ministra Rosa Weber aguarda o parecer da procuradora-geral da República Raquel Dodge. O documento deve chegar às mãos do Supremo ainda nesta semana. Depois, a relatora do processo dá o seu voto e libera a ação para ser incluída na pauta de julgamento. A decisão de Rosa Weber só será conhecida no dia do julgamento, juntamente com o voto dos outros dez ministros. O processo pode se arrastar até março do ano que vem.
O que pode acontecer?
O STF pode se abster da decisão, dizendo que o assunto não deve ser decidido naquela instância. Se aceitar julgar a ação, pode acatar totalmente, parcialmente ou descartar o pedido do PSOL. Esta não é a primeira fez que o Supremo participa das discussões sobre o aborto. Em abril de 2012, os ministros decidiram que não é considerada crime a interrupção voluntária da gestação de fetos anencéfalos. A ADPF 54 tramitou por oito anos até ser acatada.
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