Pandemia

As muitas indagações por trás da Covid-19

DP apresenta a palavra de oito pesquisadores e faz chamamento para que cada cidadão se engaje no processo para barrar a doença

O novo coronavírus se alastra com velocidade. Em pouco mais de quatro meses, desde que a doença foi confirmada em Wuhan, na China, em 31 de dezembro, a Covid-19 já chegou a 187 países e regiões. O número de mortes apavora. Já são mais de 273 mil em todo o mundo. A cena de caixões empilhados - em que familiares e amigos sofrem, sem possibilidade de abraços, sepultamento e últimas homenagens - choca. E causa reflexão. Qual o papel de cada um de nós neste processo, para estancar a disseminação e evitar novas mortes?

Neste contexto, o Diário Popular traz a palavra de sete pesquisadores, professores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), além de um dos principais imunologistas do mundo, Gabriel Victora. Os temas são variados: distanciamento social, sintomas, uso de máscaras e hábitos de higiene. O embasamento na Ciência, testes rápidos, pico da doença, uma nova onda de contaminação global, questionamentos sobre risco de reinfecção. São muitas as indagações e uma certeza: cada cidadão pode - e deve - envolver-se para ajudar a construir um outro cenário. De menos dor.

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Quais são os hábitos de higiene recomendados para impedir a disseminação do vírus?

Cezar Pinheiro: Infectologista - Faculdade de Medicina

Seguir as recomendações do Ministério da Saúde, que são, principalmente:

Lave com frequência as mãos, por pelo menos 20 segundos, até a altura dos punhos, com água e sabão, ou então higienize com álcool em gel 70%.

Ao tossir ou espirrar, cubra nariz e boca com lenço ou com o braço, e não com as mãos. Lave a mãos em seguida.

Evite tocar olhos, nariz e boca com as mãos não lavadas. Ao tocar, lave sempre as mãos.

Mantenha uma distância mínima de 2 metros de qualquer pessoa tossindo ou espirrando.

Evite abraços, beijos e apertos de mãos. Adote um comportamento amigável sem contato físico, mas sempre com um sorriso no rosto.

Higienize com frequência o celular e os brinquedos das crianças.

Não compartilhe objetos de uso pessoal, como talheres, toalhas, pratos e copos.

Mantenha os ambientes limpos e bem ventilados.

Durma bem e tenha uma alimentação saudável.

Utilize máscaras caseiras ou artesanais feitas de tecido em situações de saída de sua casa.

Por que, afinal, ficar em casa é tão importante?

Bruno Nunes: Epidemiologista - Faculdade de Enfermagem

O distanciamento social é a estratégia atual mais importante para prevenir a contaminação pelo novo coronavírus. Infelizmente, não temos, por enquanto, tratamento ou vacina para combater o vírus - o que seria o ideal. Assim, ficar em casa (todos que podem) é a melhor atitude para evitar que muitas pessoas se contaminem pelo vírus ao mesmo tempo, o que pode sobrecarregar o sistema de saúde.

Apesar de o percentual de pessoas que necessitem internar em UTI seja relativamente pequeno dentro do total de pessoas infectadas, precisamos entender o que esse percentual representa em números absolutos. Considerando parâmetros de países em situação avançada da pandemia e com distanciamento social tardio, a estimativa é que, sem o distanciamento social, muitas pessoas residentes de Pelotas (precisarão internar na UTI durante todo o período da pandemia. Esse número diminui muito quanto mais distanciamento social conseguirmos manter. São muitas vidas preservadas e internações evitadas.

A UFPel, em parceria com muitos setores da sociedade, vem realizando diversas ações e produzindo evidências científicas para que as melhores decisões continuem a ser tomadas. Enquanto isso, para preservar a vida de todos e para que a maioria de nós possa estar bem e saudável para quando a pandemia passar, fiquem em casa. Essa é a melhor recomendação científica atual.

Quais os tipos de máscaras e suas diferenças? O uso diminui o risco de adquirir o vírus? E de propagá-lo? Quais os cuidados principais a serem adotados no uso de máscaras?

Cezar Pinheiro: Infectologista - Faculdade de Medicina

Os principais tipos de máscaras para proteção nesta pandemia são:

Máscaras caseiras: são um equipamento simples e devem ser usadas por todos. Não exigem grande complexidade na produção e se constituem em grande aliado no combate à propagação do coronavírus no Brasil, protegendo quem a usa e as outras pessoas ao redor. São de uso individual e, para serem eficientes, precisam ter pelo menos duas camadas de panos. Podem ser feitas em tecido de algodão, tricoline, TNT ou outros tecidos, desde que desenhadas e higienizadas corretamente. O importante é que a máscara seja feita nas medidas corretas, cobrindo totalmente a boca e o nariz. Deve estar bem ajustada ao rosto, sem deixar espaços nas laterais.

Máscaras cirúrgicas: Devem ser reservadas aos profissionais de saúde, em ambiente hospitalar ou de atendimento ambulatorial. São descartáveis e têm indicação para serem utilizadas no atendimento de pessoas com sintomas respiratórios.

Máscaras N95 ou PFF2: Também são destinadas aos profissionais da saúde e devem ser usadas em procedimentos que podem gerar aerossol (intubação ou aspiração traqueal, ventilação mecânica invasiva e não invasiva, ressuscitação cardiopulmonar, ventilação manual antes da intubação, coletas de amostras nasotraqueais). As máscaras diminuem o risco de adquirir e de propagar o vírus, cada tipo com sua indicação. Como existe a possibilidade de a infecção pelo coronavírus ser assintomática, a máscara deve ser usada por todos quando saírem de casa para evitar a transmissão do vírus. As máscaras cirúrgicas e N95 são fundamentais para os profissionais de saúde.

Fique atento!

As máscaras devem ser de uso individual e utilizadas sempre que sair de casa. Podem ser usadas por cerca de quatro horas ou até ficar úmida. Por este motivo, cada pessoa deve ter duas, no mínimo

Devem ser de dupla face, as medidas devem ser corretas e cobrir totalmente a boca e o nariz. Devem ser bem ajustadas ao rosto, sem deixar espaços nas laterais.

Antes de colocar e retirar a máscara, as mãos devem ser higienizadas com água e sabão ou álcool gel.

Ao chegar em casa, lave as máscaras com água sanitária (de molho por cerca de 30 minutos) e água e sabão. Tenha cuidado ao descartá-las: devem ser colocadas em um saco plástico no lixo não reciclável.

As máscaras N95 e cirúrgicas devem ser reservadas aos profissionais de saúde e profissionais de apoio no atendimento a pacientes. Seu uso pela população em geral pode acarretar um desabastecimento destes equipamentos tão importantes no enfrentamento da epidemia, para quem realmente necessita.

Quais os sintomas principais da Covid-19? Onde buscar atendimento em caso de sintomas?

Ângela Vitória: Médica de Família - Faculdade de Medicina

Os sintomas da Covid podem ser bem semelhantes a uma gripe ou resfriado. As pessoas podem ter coriza, febre, tosse, perda de olfato, dor no corpo e, quando o quadro é mais grave, podem ter falta de ar. Algumas pessoas têm diarreia.

Quando for apenas coriza, o mais adequado é ficar em casa e telefonar para a Central de Teleconsulta Coronavirus Pelotas, no 0800-648 5319. O serviço foi criado pela Prefeitura, UFPel, UCPel, HE-UFPel, Coinpel e Indeorum. A Central conta com profissionais preparados para todas as orientações e funciona das 8h às 18h, de segunda a sexta-feira.

Quando aparecer febre e tosse, a Unidade Básica de Saúde (UBS) mais próxima deve ser procurada, preferencialmente pela manhã. É importante lembrar de ir de máscara à UBS, lavar as mãos ou passar álcool em gel ao chegar e evitar ônibus e aglomerações. No caso dos adultos, se surgir falta de ar, será necessário procurar a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Areal, na avenida Ferreira Viana, 2.231. A UPA é o local de triagem para casos que podem precisar de internação. Se o paciente for criança, a família deve buscar atendimento no Centro de Síndromes Gripais, que funciona no prédio da UPA Bento, no prolongamento da avenida. O serviço também permanece aberto 24 horas e tem estrutura de internação, inclusive, com leitos de UTI. Ao deslocar-se a um dos locais, também é conveniente evitar ônibus. Use máscara e passe álcool gel nas mãos constantemente.

O que, afinal, a pesquisa liderada pela UFPel avalia? E por que isso é tão importante?

Pedro Hallal: Reitor da UFPel e epidemiologista - Escola Superior de Educação Física

Ela avalia, em cada fase, o percentual da população com anticorpos para o vírus que causa a Covid-19. Ao comparar o resultado de cada fase, é possível estimar a velocidade da disseminação do vírus. A pesquisa liderada pela UFPel é hoje a maior pesquisa epidemiológica do mundo para avaliar a prevalência de Covid-19 na população. O estudo foi iniciado no Rio Grande do Sul e foi expandido para todos os estados do país. O conceito utilizado no logotipo é o de um iceberg. Existe uma ponta visível, representada pelos casos notificados, e uma parte submersa, representada pelos casos que só são detectados quando se avalia a população. O grande problema é que os casos que não são notificados, das pessoas que não são testadas, são particularmente preocupantes, pois essas pessoas não sabem que estão infectadas, mas podem transmitir o vírus. Nas duas primeiras fases, o estudo mostrou que existe uma grande subestima do número de casos, confirmando a teoria do iceberg. Na primeira fase havia a estimativa de aproximadamente 5,5 mil casos no Estado. Já na segunda fase, a estimativa era de cerca de 15 mil casos. Agora, fica a expectativa pelos dados que serão conhecidos nas outras duas etapas.

Recentemente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou para a incerteza dos casos de reinfecção. O que se pode afirmar a respeito?

Gabriel Victora: Imunologista - Rockefeller University

Não se sabe ao certo. Há vários casos de pessoas que tiveram a doença, depois tiveram testes de PCR negativo (sugerindo que estavam curadas), mas em seguida testaram positivo novamente, o que poderia sugerir reinfecção. No entanto, é mais provável que o retorno do resultado positivo se deva à persistência de material genético do vírus em baixas quantidades.

Estudos em macacos com o vírus da Covid-19 mostram que não é possível infectar o mesmo indivíduo mais de uma vez. Em humanos, estudos em que voluntários foram infectados com outros coronavirus, que causam resfriado comum, mostram que quem foi infectado uma vez, ou não se reinfecta, ou tem uma segunda infecção branda. Enquanto não existirem informações mais precisas, a postura da Organização Mundial da Saúde tem sido de cautela, não recomendando o uso de testes de anticorpos como evidência de imunidade contra a reinfecção.

Os testes rápidos são, realmente, efetivos, já que há a possibilidade dos falsos negativos?

Mariângela Silveira: Epidemiologista - Faculdade de Medicina

Os anticorpos para SARS-CoV-2 começam a ser detectados cerca de uma semana após a infecção inicial, mas a possibilidade de detectarmos estes anticorpos aumenta com o tempo. Portanto, os testes de anticorpos não servem para detectar a fase aguda da doença, quando a maioria das transmissões para outras pessoas ocorre.

A testagem sorológica em massa é boa para verificar na população quem já teve a infecção, porque os anticorpos permanecem detectáveis no sangue um longo tempo após a infecção. No caso da pesquisa da UFPel, por exemplo, essa testagem vai nos permitir determinar a prevalência real da infecção da população, a taxa de transmissão nesta população e, também, a real letalidade da doença, pois estaremos testando pessoas com poucos ou nenhum sintoma.

Sabemos que algumas pessoas, mesmo tendo sido afetadas pela Covid-19, não vão ser positivas em testes sorológicos, o que chamamos de falso negativo. Isto ocorre com cerca de 15 em cada 100 pessoas afetadas no caso do teste que estamos utilizando na pesquisa da UFPel. Para fins de estudos populacionais, esses resultados são muito bons.

Informações iniciais davam conta de que o pico da doença no Rio Grande do Sul seria em abril. Agora já se fala em maio e junho. O que define os picos? Como são feitas estas projeções?

Inácio Silva: Epidemiologista - Escola Superior de Educação Física

Os picos de adoecimento e, consequentemente, de demanda hospitalar, são definidos principalmente pela velocidade de transmissão do novo coronavírus. Logo, o que influencia essa velocidade de transmissão, na ausência de uma vacina, é principalmente as medidas de distanciamento social. Em um contexto de inexistência das medidas de distanciamento, estima-se que cada pessoa infectada contaminaria, em média, pelo menos outras duas pessoas antes de entrar em isolamento. Caso isso acontecesse, o pico da Covid-19 chegaria muito rápido, sem dar oportunidade de organização e, principalmente, ampliação da capacidade hospitalar. Com medidas de distanciamento social, a velocidade de transmissão entre as pessoas é reduzida, reduzindo também a magnitude do pico e atrasando seu acontecimento.

Sobre as projeções, existem diferentes tipos, mas em geral elas são baseadas em características de transmissão da doença, como tempo entre o contágio e a manifestação dos sintomas (o período de incubação), o tempo em que cada pessoa infectada pode transmitir o vírus para outras (período infeccioso) e o número esperado de indivíduos que serão infectados diretamente por pessoa que apresente a doença (conhecido como R0, número básico de reprodução), o qual varia muito de acordo com as medidas de distanciamento social.

No caso de projeções de demanda hospitalares, outros indicadores clínicos são utilizados, como o percentual de casos amenos, percentual de pessoas com necessidade de hospitalização, tempo de internação (com e sem necessidade de UTI). Cabe destacar que as projeções para locais em fase inicial da pandemia apresentam uma grande imprecisão. Além disso, para tais projeções são utilizadas as melhores informações possíveis, mas que ainda são limitadas e baseadas em outros contextos (outros países com diferentes estágios da pandemia, geralmente daqueles locais com maior severidade da doença).

Há comentários também sobre uma segunda onda de contaminação mundial. Quais os riscos de isso ocorrer? Como evitar?

Anaclaudia Fassa: Epidemiologista - Faculdade de Medicina

Ao final da primeira onda, uma proporção da população terá sido infectada, terá se recuperado e desenvolvido anticorpos contra o coronavírus. Não sabemos se estes anticorpos conferem imunidade, nem por quanto tempo esta imunidade persistirá, ou se atenuam a doença. Sabemos que uma parcela importante da população não terá sido infectada - ou seja, não terá imunidade - e que o vírus pode sofrer mutações tornando pessoas que já tiveram a doença novamente suscetíveis. Portanto, ao relaxar o isolamento social, o coronavírus pode contaminar suscetíveis ocasionando uma nova onda epidêmica. Para evitar a segunda onda, a flexibilização do isolamento social deve ser gradual e subsidiada pelo monitoramento da frequência da doença. É importante detectar e isolar precocemente pessoas infectadas e testar seus contatos, mantendo o número de casos baixo. Assim, o Brasil precisa investimento em ciência e tecnologia. É fundamental ampliar a testagem com autossuficiência na produção de testes. Além disso, para sair desta emergência sanitária, o Brasil precisa se somar ao esforço internacional de desenvolvimento de uma vacina e se preparar para produzir o quantitativo de doses suficientes para imunizar a população. Este deve ser o primeiro passo para a reestruturação do complexo industrial da saúde no Brasil.

Quais os erros e acertos adotados pelo Brasil no enfrentamento à Covid-19?

Pedro Hallal: reitor da UFPel e epidemiologista - Escola Superior de Educação Física

O grande acerto foi a rápida adesão ao distanciamento social. O Ministério da Saúde teve atuação decisiva nessa decisão de recomendar o distanciamento social quando a epidemia estava chegando ao país. Outro acerto foi investir em inteligência epidemiológica, por meio de estudos populacionais, para conhecer a doença não apenas nas pessoas que buscam os serviços de saúde, mas também nos assintomáticos, que estão em casa. Ainda deve ser destacado o papel do Brasil em estudos envolvendo a produção de vacinas e a testagem de medicamentos para o tratamento da Covid-19. 

O grande erro do Brasil até agora refere-se à baixa quantidade de testes realizados. Num estágio inicial da pandemia, a testagem rápida e em larga escala pode identificar rapidamente os doentes e permitir a busca ativa por outros casos, por meio da rede de contatos do doente. O mais preocupante é que a baixa disponibilidade de testes segue, mesmo após dois meses de convívio com a pandemia no Brasil.

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A China, hoje, ocupa a 11ª posição no mundo, com 83.976 testes positivos.
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