Honoris Causa
Boaventura fala sobre democracia, caminhoneiros e direitos humanos
Sociólogo português recebeu o título de Doutor Honoris Causa na noite desta segunda-feira em Pelotas
Gabriel Huth -
Boaventura de Sousa Santos responde a cada pergunta como se falasse em uma aula ou em uma palestra, atividades exercidas pelo professor em diferentes continentes. É convicto em todas as suas frases ao falar de democracia, sobre o movimento dos caminhoneiros, educação nas universidades ou sobre direitos humanos. Na noite desta segunda-feira (4), ele recebeu o título de Doutor Honoris Causa pelas Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e Universidade Católica de Pelotas (UCPel). O sociólogo falou com a imprensa minutos antes de inaugurar a Biblioteca das Ciências Humanas da UFPel, na manhã desta segunda.
Boaventura considera o atual momento da democracia brasileira como de "baixíssima intensidade". (Foto: Gabriel Huth - Especial - DP)
No domingo, Boaventura esteve reunido com organizações sociais em um encontro fechado no Cenáculo e à noite jantou com movimentos ligados à população de matriz africana de Pelotas - pessoas e campos com recíproca identificação. Na entrevista, referiu-se a Lula como um preso político e classificou a democracia brasileira como de "baixíssima intensidade" após o impeachmant da ex-presidente Dilma Roussef. O sociólogo também criticou a política de preços da Petrobrás, origem à greve dos caminhoneiros, e sobre as medidas adotadas pelo governo para terminar com a paralisação, paliativas e que podem gerar outras crises com o corte de investimentos.
Ao seu lado durante toda a entrevista, o reitor Pedro Curi Hallal considerou a recepção como "um dos dias mais importantes da história da Universidade Federal de Pelotas".
Confira os principais trechos:
- Um dos seus últimos livros se chama "A difícil democracia". Que avaliação o senhor tem sobre a democracia brasileira neste momento?
Boaventura: É uma situação muito complicada que nós encontramos no Brasil. As democracias representativas têm se transformado em democracias de baixa intensidade. Eu penso que a democracia brasileira, neste momento, está em um período de baixíssima intensidade. Depois do golpe institucional que se deu em 2016 e com um intervenção, no meu entender, política no sistema judiciário, a prisão do ex-presidente Lula e uma reprovação internacional. Não é bom pra democracia brasileira estar exposta a estas críticas internacionais. Um país que até pouco tempo era a grande potência emergente, com uma nova dinâmica democrática, de inclusão social e, de repente, tudo isso caiu. É um momento muito difícil. Eu circulo muito pelo Brasil com movimentos e organizações sociais. Ontem já estive, no meu primeiro contato, com movimentos aqui de Pelotas, tive um jantar com povos de matriz africana. E eu vi aí muita energia, muita força de resistência, vontade democrática. Eu acho que os brasileiros e as brasileiras vão vencer este desafio que é complicado.
Agora passou por um período à beira do caos, com o desabastecimento. Penso que já se superou. Devo dizer também - e eu não sou um sociólogo ingênuo - que vejo muita dinâmica autoritária, de extrema direita, com apelos a um período de ditadura que deixou todos nós muito marcados. Eu lembro o quê foi a ditadura portuguesa que foi muito anterior à vossa, que terminou em 1974 com a revolução de 25 de abril (Revolução dos Cravos). Evidente que nós não cremos de maneira alguma, tanto brasileiros como portugueses, que se faça um processo neste sentido. A preocupação é grande, mas vejo no Brasil energias democráticas suficientes para vencer esta crise.
- E a greve dos caminhoneiros que tivemos recentemente aqui no Brasil?
Boaventura: Evidente que todos os alarmes soam. Lembramos o que aconteceu no Chile, pouco antes da queda do presidente (Salvador) Allende. Normalmente estas paralisações entram em choque com os abastecimentos mínimos das populações, criam um pânico social muito grande e são extremamente preocupantes. A greve teve todos os ingredientes para ser complexa, não só pela orientação política, uma vez que houve slogans de todo o tipo nesta greve, como pela composição própria da classe que é extremamente complexa porque tem elementos de greve e tem elementos de locaute. Não penso que foi resolvida. Foi uma resolução rápida para evitar mais pânico e caos no governo. Mas a questão fundamental, que está por trás da crise, não foi resolvida.
"Vejo no Brasil energias democráticas suficientes para vencer esta crise", disse o sociólogo português. (Foto: Gabriel Huth - Especial - DP)
Esta questão fundamental é o fato de termos uma política extremamente injusta com os brasileiros que não respeita o diesel, a gasolina, o abastecimento de gás. Uma vez que, o que se fez com a Petrobrás, foi uma desnacionalização arbitrária e com poucas garantias devido a uma influência externa. Penso que os Estados Unidos, após derrotas no Oriente Médio, esqueceu da América Latina na primeira década deste milênio - e por isso tivemos mais governos progressistas e populares - e os Estados Unidos estão, novamente, muito atentos ao que se passa neste continente e fizeram uma pressão extraordinária para que a Petrobrás esteja sujeita a preços internacionais que são controlados pelo dólar. Isso para o Brasil foi desastroso. Nós sabemos que esta greve, resolvida com um remendo, vai dar origem a outras situações de colapso uma vez que não houve alteração estrutural nos preços da Petrobrás. O dinheiro que vai ajudar a financiar o fim desta greve vai se tirar da saúde, educação e outras áreas. É uma crise adiada.
- Como avalias a questão dos direitos humanos serem questionados por setores da sociedade?
Boaventura: Os direitos humanos, assim como todas as conquistas da contemporaneidade, é um objeto em disputa. Mesma coisa com a democracia. Não se pode dizer 'é a favor' ou 'contra'. Nós somos democratas. Mas qual democracia? Uma democracia que seja inclusiva, que não seja excludente, que não seja colonialista, racista, homofóbica, patriarcal, etc. Queremos uma democracia de inclusão e não de exclusão social, como ela foi no passado durante muitas vezes. O mesmo penso sobre os direitos humanos que é direito à vida, à inclusão social. Aquelas que tem sido vítimas de racismo, de colonialismo, de patriarcado - homens e mulheres neste país tem sido agredidos. E, portanto, os meus direitos humanos são esses. Quais não são? Aqueles que querem servir o mercado.
Quando há eleições, vejo que os resultados não são vistos pela reação dos ativistas dos direitos humanos, o resultado foi bom para os direitos humanos? Não. O que se diz sempre é o direito dos mercados. Como é que reagiram os mercados? Para muita gente os direitos humanos são direito de mercado. Ora, uma economia de mercado eu aceito. Uma sociedade de mercado é repugnante e eu sou totalmente contra. Infelizmente é isso que está aí. Aqueles direitos que saiam do povo, dos homens e das mulheres com quem ontem eu estive aqui em Pelotas. Estes são os direitos humanos com os quais eu me identifico.
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