Solidariedade
Centenária empenhada no voluntariado
A pelotense de cem anos, Ana Maria Costa, passou grande parte da trajetória envolvida com ações sociais
Paulo Rossi -
Um século de independência e serviço ao próximo. Ana Maria Costa já foi secretária de Educação em Pelotas, professora das séries iniciais e hoje atua como voluntária na Associação Pioneiras do Bem. Com as mãos calmas e o olhar atento às jogadas que fazia com o baralho de cartas, ela recebeu o Diário Popular para contar as histórias que compõem seus cem anos com uma riqueza de detalhes característica de quem tem experiência em viver. E abrir uma série de reportagens que o Jornal passa a publicar a partir de hoje para marcar o Dia Internacional da Mulher.
Quando perguntada sobre a idade, Ana Maria logo sorri. "Eu fiz cem anos no dia 1º de maio. Agora eu tenho dez meses de vida nova". A vida 'antiga' da ex-professora tem muita semelhança com a que está começando. Há anos, tantos que ela não conseguiu especificar, Ana Maria é familiarizada com a arte dos trabalhos manuais, como costura e confecção de quadros decorativos feitos a partir de lã. Somando o conhecimento e a vontade de ajudar o próximo, começou a produção de peças para doação na Associação Pioneiras do Bem.
A associação faz jus ao nome escolhido pelas fundadoras. Um grupo de mulheres veranistas da praia do Laranjal a criou em abril de 1971. Depois de muitas mudanças das integrantes, "a turma já tá envelhecida", comenta Nilda Pinheiro, voluntária há mais de 20 anos. Cerca de 20 costureiras fazem parte atualmente; elas preparam enxovais infantis para bebês e mantas a mulheres em tratamento quimioterápico. As roupas infantis têm como destino as casas de famílias em situação de vulnerabilidade social no Laranjal. Já as mantinhas de lã são encaminhadas pelo Instituto Buquê do Amor (IBA) e tornam-se companheiras de mulheres nas cadeiras do tratamento de quimioterapia no Centro de Radioterapia e Oncologia da Santa Casa de Misericórdia (Ceron).
O IBA é peça fundamental no projeto. Ele auxilia na produção doando lãs e distribuindo as confecções. O grupo de senhoras que fundou a associação tinha como objetivo auxiliar, entre tantas, as famílias dos pescadores que transitavam na praia nas semanas de veraneio. Os lares eram cheios de crianças, por isso a ideia de passar a costurar roupas e cobertores de lã para os pequenos.
Em 1973, foi inaugurado o ambulatório das Pioneiras do Bem, que contava com médicos especializados e um consultório odontológico. Por anos, o espaço persistiu, mas acabou encerrado por conta da abertura de um posto de saúde no Laranjal. O Clube de Mães foi outra instituição que partiu da Associação. O projeto servia como um atendimento a mulheres, com cursos de costura, corte, manicure, pedicure e gastronomia. As atividades também foram, aos poucos, terminando, como conta Nilda. Em contrapartida, uma das ações que segue ativa é a festa de Natal organizada todos os anos para as crianças no Recreio Infantil Praia do Laranjal. Durante a celebração, sacolas com alimentos são doadas para as famílias.
Uma vez por semana, Ana Maria se reúne com as demais companheiras que a acompanham nos pontos de crochê para as mantinhas e blusões. A ex-professora conta que produz, em média, três mantas de lã a cada mês. A produção ajuda tanto os destinatários como a centenária, que aproveita os momentos de concentração enquanto costura. Apesar de já conhecer a arte da costura, ela aprendeu o crochê há pouco, quando tinha 98 anos. E logo começou o voluntariado, costurando as peças para a doação.
"Se não fosse isso ia ser horrível a minha vida, a gente tem que fazer alguma coisa. Depois que a gente fica velha, tem que ser útil pra poder viver", reflete. A aposentada não vê a idade como um empecilho para ajudar o próximo. Seu envolvimento com a entidade assistencial começou em 1983, quando ela assumiu o cargo de tesoureira das Pioneiras. O convite para participar veio da amiga e uma das fundadoras, Maria Leocádia. Depois, ela se manteve nos cargos da diretoria, passando a presidência em 1996.
Mulher que faz o que quer
Ao longo dos seus cem anos, Ana Maria sempre soube a importância de se colocar em primeiro lugar na lista interna de prioridades. "Eu sempre fui muito independente, embora agora queiram mandar em mim", brinca. Aos 17, formou-se no magistério e começou as aulas para as séries iniciais. Na época, foi enviada para Guaraxaim da Serra, hoje no interior do município de Chuvisca. A mudança de ares ocorreu em 1935, quando a cidade fazia parte de Camaquã. A distância entre a então professora e a família era de 112 quilômetros, fora a travessia de balsa sob a ponte do Retiro e a saudade que carregava no peito.
Depois, foi transferida para a Colônia Santa Silvana e ficou como diretora de um educandário. As frequentes mudanças entre localidades a fizeram chegar a Herval, onde conheceu o marido. Casou-se aos 25 anos, em 1943, idade considerada tardia para mulheres da época. De acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, na década de 70, a idade média para mulheres firmarem a união civil era de 23 anos. Em seguida, aos 28 anos, teve a filha mais velha. A gestação se repetiu aos 30. Norma e Lígia, as filhas, seguiram os passos da mãe e hoje são professoras aposentadas.
Enquanto as duas meninas cresciam, Ana Maria foi convidada pelo ex-prefeito do município, Edmar Fetter, a liderar a pasta da saúde. Por nove anos assumiu o cargo de secretária da Educação. Em relação à profissão, a aposentada reclama da visão atual sobre os educadores. "Professor tem que ser valorizado. Esses homens da política, todos começaram com professoras. Foram alfabetizados com professoras. Se hoje eles têm um cargo relevante, tudo dependeu do início da vida deles", diz, com sabedoria.
Com as tardes livres, Ana Maria gosta de se entreter com o baralho de cartas montado no jogo paciência - atividade que o pai a ensinou. Mesmo com a dificuldade em jogar manualmente, a centenária adora a distração - ela não é muito afetuosa com celulares e aplicações. Depois de contar a trajetória, conclui: "a vida da gente é uma passagem. A minha tá muito comprida já. Mas graças a Deus está sendo muito feliz".
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