Saúde pública
Coleta pouco seletiva
Estudantes do curso de Engenharia Ambiental e Sanitária da UFPel encontraram resíduos de saúde - como seringas e dispositivo de coleta de sangue - entre o material enviado à coleta seletiva para reciclagem
Paulo Rossi -
Classificadores são funcionários de Cooperativas de Reciclagem que lidam com o lixo produzido por 18 bairros e áreas de Pelotas. O trabalho desse funcionário é fazer a classificação dos materiais recicláveis, separando objetos de plástico, de metal, de papel e assim em diante. Contudo, diariamente se deparam com outro tipo de lixo: seringas, agulhas para coleta de sangue, remédios e resíduos infectantes e químicos. Além de representar risco para a saúde dos trabalhadores, a presença desses Resíduos de Serviços de Saúde (RSS) nas cooperativas denota o descumprimento da Política Nacional dos Resíduos Sólidos.
Os materiais qualificados como RSS devem ser recolhidos pelo Sanep - se locais de saúde públicos, como as Unidades Básicas de Saúde - ou por empresas contratadas especificamente para destinar o lixo, no caso de clínicas e hospitais privados, obrigação prevista pela lei 12.305 de 2010. O problema foi encontrado por dois estudantes do curso de Engenharia Ambiental e Sanitária da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Mateus Nazari e Carolina Gonçalves, a partir de pesquisas para o trabalho de conclusão de curso (TCC) e do Núcleo de Educação Pesquisa e Extensão em Resíduos e Sustentabilidade (Nepers), também da universidade. O estudo foi realizado entre os meses de outubro e novembro de 2016 nas cinco cooperativas de materiais recicláveis existentes da época.
Os RSS foram separados diariamente durante um mês. A coleta de dados foi dividida em duas etapas. Durante a triagem, os resíduos que eram considerados como RSS pelos classificadores foram separados em sacos. Depois, os responsáveis pela pesquisa abriam os sacos para separar novamente os resíduos, classificando os RSS em grupos.
"Vimos que os resíduos não vinham de residências", afirma Mateus. A outra estudante, Carolina, conduziu um trabalho de geoprocessamento, percorrendo as zonas em que a coleta seletiva passa. Assim, verificou que existe uma grande quantidade de estabelecimentos de saúde nesse trajeto: a zona Centro Sul com 99 e o Areal Norte com 15, sendo esses tanto de atendimento à saúde humana quanto animal. Clínicas, consultórios, estúdios de tatuagem, farmácias, funerárias, hospitais, laboratórios de análises clínicas, veterinárias/pet shops e um ambulatório foram encontrados na rota da coleta, indicando que estes locais podem ser as fontes geradoras do resíduo.
O resultado foi de 36,23 quilos de RSS que chegaram entre todas as cooperativas durante um mês. Apenas em uma delas, localizada na Vila Castilho, foram contabilizados mais da metade do montante: 24,97 quilos. A reportagem foi até o local e, em conversa com os funcionários, descobriu que encontrar agulhas entre outros materiais é algo cotidiano.
A rotina de quem mexe com lixo
Fábio Farias Lameirão, 29, trabalha na cooperativa desde que foi aberta, há sete anos. Também já se deparou com lixo de saúde e já teve o dedo perfurado por uma agulha dentro de uma sacola. Pela experiência na área, já sabia o que fazer: recolheu o objeto e levou ao postinho mais próximo. "Fiz exames mas não deu em nada", conta. Alívio.
"O pessoal não tem consciência. A gente pode pegar uma doença, mesmo com a luva. Acho que as pessoas pensam que é reciclável porque tem uma parte de plástico. Mas aquilo ali já foi usado", queixa-se. A sobrinha, Diulia Lameirão, 25, que também trabalha na cooperativa, completa: "É o que mais aparece. Bolsas de hemodiálise... O que tu imaginar de lixo. O que menos tem é reciclável". Quase isso: segundo os funcionários, para mil quilos de coleta, 500 quilos são rejeitos, como comida e RSS.
Mateus chama atenção para a vulnerabilidade econômica da categoria. "Se eles ficam doentes não podem trabalhar. A Organização Mundial da Saúde fala em um risco de 7% de contrair hepatite B se pegar uma agulha sem procedência", exemplifica. Por isso, fazer a separação adequada também é questão de saúde pública. "A preocupação vem do fato dos resíduos conterem patógenos infecciosos, produtos químicos tóxicos, metais pesados. Há contaminação do meio ambiente, a ocorrência de acidentes de trabalho envolvendo tanto profissionais da saúde e de limpeza pública quanto catadores e, também, a propagação de doenças à população em geral, seja por contato direto ou indireto", escreve Mateus.
Além disso, a reciclagem é a fonte de renda desses trabalhadores. "A gente tá fazendo um trabalho pra ajudar a população. Quando mais as pessoas reciclam, mais rende pra nós", explica Fábio, sendo que um quilo de garrafas pet, por exemplo, equivale a somente R$ 1,50 para a cooperativa. Potes de iogurte, latas de cerveja, produtos de higiene, garrafas pet e sacolas são alguns materiais aproveitados. "Pelo bem que a gente faz pra natureza deveria ser muito mais valorizado. Muita gente não quer mexer com lixo", reflete.
Alexandre Garcia, diretor-presidente do Serviço Autônomo de Saneamento de Pelotas (Sanep), reitera que a autarquia não é o órgão fiscalizador e que lida apenas com os resíduos de saúde dos estabelecimentos públicos. Pronto-Socorro, Unidades Básicas e de Pronto Atendimento do município têm lixo recolhido pelo Sanep. Segundo o diretor, este serviço estaria em dia.
Sidnei Jorge Júnior, chefe de Departamento da Vigilância Sanitária, responsável por fiscalizar o cumprimento da lei, diz que a unidade verifica que as empresas com alvará sanitário tenham o lixo recolhido adequadamente. "Os consultórios e hospitais obrigatoriamente têm que apresentar o contrato com a empresa que recolherá o lixo para adquirir o alvará sanitário", caso contrário não são liberados para atuar. Questionado se o órgão faz fiscalizações periódicas, Sidnei diz que a maior parte das fiscalizações é proveniente de denúncias da população. O caso é apurado e, dependendo da situação, a empresa responde por um processo sanitário movido pelo município. A pena vai desde uma advertência leve à multa ultrapassando R$ 2 mil. Algumas farmácias recolhem medicamentos. O telefone da Vigilância, disponível para denúncias, é o (53) 3284-7733.
Classificação dos resíduos encontrados
Grupo A - Infectantes: 22,4% - com base no potencial patogênico, colocam em risco a saúde dos trabalhadores
Grupo B - Químicos: 16,6% - segundo o estudo, a quantificação do Grupo B foi limitada pelo fato de que alguns componentes desse grupo eram líquidos de embalagens
Grupo C - Radioativos - não foram encontrados
Grupo D - Comuns: 57,5% - resíduos que podem ser reciclados
Grupo E - Perfurocortantes: 3,2% - resíduos que trazem maiores riscos à saúde dos cooperados, já que chegam misturados com os materiais recicláveis e, muitas vezes, passam despercebidos pelos catadores
Objetos
Embalagem de remédios com conteúdo
Comprimidos
Restaurador universal - utilizado em clínicas dentárias para restauração dos dentes
Caneta de tatuagem - biqueira da máquina utilizada para tatuar
Dispositivo de coleta de sangue a vácuo
Controlador de fluxo intravenoso
Bolsa de hemodiálise peritoneal
Espéculo - ferramenta utilizada em exames ginecológicos
Como botar fora resíduos de saúde
Medicamentos - Algumas redes de farmácias recolhem remédios - fora isso, não há lei que regulamente o descarte de medicamentos
Agulhas, seringas e bolsas de hemodiálise devem ser levadas para a UBS mais próxima. A Vigilância Sanitária recomenda que o paciente combine com a unidade qual o horário para levar o descarte
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