Paulo Rosa
Companhia: uma obsessão
Somos obcecados por companhia. Dizem uns entendidos que há raízes biológicas para a busca pelo outro. O fato de que um cromossoma x acompanhado de um outro, y, esteja em nossa origem, explicaria o imbróglio. É real que nascemos tão fragilizados, tão necessitados de alguém, que esse registro primordial não se apagaria jamais. Millôr arrasava com a situação ao sugerir-nos que é melhor estar mal acompanhado do que só.
As artes, as ciências, as religiões são, todas, pródigas na supervalorização da companhia. Tal necessidade gera questões por demais interessantes - para não dizer complicadas - pois daí parte, p.e., o universal capítulo do amor e seu cortejo, com infinitos desdobramentos vida afora e em todos os rincões. E nós nos revelamos hábeis, digamos, em criarmos situações nas quais a falta de alguém real é substituída por outra condição onde esse alguém, que não está, é trocado por uma ilusão, simulando-se companhia. Preferimos o engano à solidão. Há exemplos.
Um dos mais prestigiados é o cigarro. Ao fumarmos criamos a sensação de estarmos com o domínio da circunstância de estar só. O ritual e o entorno do ato geram a ilusão de que estamos com o controle, a fumaça inspirada e longamente expirada permite um suspiro - já o sabia Mário Quintana, o sábio poeta, fumador inveterado - e este suspiro disfarçado ameniza o estar só. Os industriais do tabaco são espertos em adicionar químicos que perfumam o produto e aumentam o prazer - um simulacro arrebatador de algo prazeroso - na realidade a estranha condição de um pseudo-prazer. Mas, que se pode fazer? Nós gostamos de autoenganar-nos.
Outro exemplo prestigiadíssimo é a milenar bebida alcoólica. Bebemos desde sempre, buscando o constante efeito enganador. A alteração de consciência que o químico gera, dose-dependente, afasta-nos mais, ou menos, do sofrimento. O alívio é quase imediato. Mas, um dos problemas é o que se chama tolerância, com o tempo precisamos de doses crescentes para conseguir igual efeito de bem-estar. Abre-se a rota da dependência. Nestes estudos é útil (e assustador) lembrar que arrastamos já uma dependência anterior pela companhia. O álcool, o fumo, apenas substituem alguém que gostaríamos estivesse presente. Em sua falta, o subterfúgio.
E o mais contemporâneo dos exemplos é o atual uso da “companhia” do celular. Hipócrates já alertava que os humanos somos propensos a nos viciarmos em qualquer coisa, desde que nos amenize os sofrimentos. Assim, trabalho, passando por sexo, substâncias, atividades, agora internet e quaisquer inventos vindouros, todos serão potenciais causadores de dependência. A razão é nossa extrema vulnerabilidade, coisa intolerável e dolorosa para a própria consciência, de modo que, pouco importa o custo, estaremos sempre abertos a adotar autodisfarces. Basta parecer que fazemos, sentimos ou pensamos algo útil e coerente para o adotarmos como hábito e, quem sabe, vício.
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