Realidade

Crianças nas ruas de Pelotas

Menores de idade voltam a perambular pelo Centro e pedir ajuda, em situação que quase foi erradicada no começo da década, mas piorou nos últimos anos

Gabriel Huth -

Uma volta rápida no centro de Pelotas é suficiente para encontrar crianças nas portas de restaurantes ou em feiras populares, esperando ajuda de quem entra e sai dos estabelecimentos ou o auxílio dos passantes na oferta de esmolas. Uma realidade muito presente nas décadas passadas no Brasil, que parecia ter sido contornada - ao menos no Sul do país -, mas que volta a atacar as famílias da periferia. Levantamento realizado pelo governo federal em 2011 apontava 23 mil crianças vivendo nas ruas no Brasil, a maioria nas regiões Norte e Nordeste. Em Pelotas, o cenário é um pouco diferente. Geralmente no turno inverso ao escolar, meninos e meninas saem de casa e vagam pelas ruas em situação análoga de trabalho infantil, na fuga do Conselho Tutelar.

O Censo de 2010 feito no município registrou 4.404 crianças e adolescentes, de zero a 17 anos, vivendo em situação de extrema pobreza. A maioria (2.556) na faixa de seis a 14 anos. Destas, cerca de 90% estavam matriculadas nas escolas. O corregedor do Conselho Tutelar, José Francisco de Assumpção da Luz, conta que, nesta época, não se via crianças pedindo dinheiro pelo Centro. No entanto, com a crise econômica e as "medidas adotadas pelo governo federal neste último ano", a análise é que essa situação, que pode ser análoga ao trabalho infantil, voltou ao cotidiano pelotense. No dia a dia, a maior dificuldade é convencer as famílias de que a prática de pedinte é prejudicial ao desenvolvimento e à dignidade dos menores. Mais ainda, o Conselho Tutelar é visto como "inimigo" por essas crianças.

A situação foi constatada pela reportagem do Diário Popular. Em uma conversa com um menor de 13 anos, que vende balas e pede dinheiro nas ruas, a primeira pergunta que surge surpreende: "Tu é do Conselho, né tio?". O menino mora e estuda no Navegantes. Ao dizer a idade, na primeira oportunidade, falou que tinha 14 anos, "Porque aí o Conselho não nos tira da rua". Depois, com mais segurança, admitiu ter 13 anos. José Francisco explica que esse é um engano comum. A legislação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) aponta que a partir desta idade o trabalho infantil pode ocorrer na maneira de aprendizado e que não afete a dignidade do menor - ao contrário da situação de pedir esmola.

Questão cultural
"Minha vó não se importa." Mário, 13, e Zezinho, 12 (nomes fictícios) são vizinhos no Navegantes. Um está no 4º ano na escola, enquanto o outro, um ano mais novo, está no 5º. Frequentam o colégio pela manhã e, geralmente, passam a tarde na rua - vendendo balas, pedindo dinheiro ou apenas vagando. Mário mora com a avó e conta que gosta de estudar e jogar futebol. Zezinho relata que tem um primo de 19 anos que está no 7º ano e se orgulha que está quase alcançando o mais velho. Divide a casa com a mãe, avó e primas.

José Francisco de Assumpção Luz enxerga como um dos problemas a questão cultural na conscientização popular sobre os malefícios do trabalho infantil. Os pais e avós viveram os mesmos problemas quando pequenos e a prática de pedir esmola era natural. "As crianças tendem a imitar o comportamento dos pais." Ainda segundo José, o Conselho atua sob base da Doutrina de Proteção Integral, na qual a criança deve ser protegida e ter direito a desenvolvimento com dignidade. "Os pais chegam aqui e alegam que o Conselho é proibitivo. As famílias muitas vezes não percebem os perigos das ruas. O adulto tem o dever da criação, de acompanhar os filhos e dar a melhor educação, ao mesmo tempo que as crianças também têm deveres, de respeito aos pais e satisfação dos atos", explica.

Geralmente sem uma fonte de renda, as famílias ou encaminham as crianças à prática de pedinte ou não se importam de vê-las a tarde inteira nas ruas. É o caso de duas meninas de 15 anos que ficam na porta de um restaurante no Centro da cidade. O dono do estabelecimento dá a elas o almoço. Encabuladas com a circunstância, não dão muito assunto à reportagem, mas dizem que moram com as famílias e frequentam a escola pela manhã. Retornam para as casas apenas ao anoitecer. Nas ruas, têm amigos na mesma situação e rotineiramente formam um grupo maior nas calçadas.

Reportagem feita recentemente pelo Diário Popular, em setembro deste ano, indicou 3,8 mil alunos infrequentes nas escolas da cidade. O Conselho Tutelar tem dificuldades de mapear onde há situação de crianças na rua. Um único conselheiro atende em média mais de 400 casos por ano, incluindo situações de violência, trabalho e outras circunstâncias. Quando é constatada a irregularidade, as crianças e as famílias são encaminhadas ao Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), que constrói plano de atendimento e acompanhamento.

Chefe de departamento na Secretaria de Assistência Social (SAS), Aline Crochemore explica que as famílias em situação de trabalho infantil recebem prioridade no recebimento de Bolsa Família. Caso a situação continue, os casos são repassados ao Ministério Público. Para o Conselho Tutelar, faltam ao município políticas públicas para tirar os menores das ruas, como por exemplo atividades escolares no turno inverso ao das aulas. A SAS indica que uma equipe para identificar, mapear e monitorar casos de trabalho infantil está para ser nomeada nas próximas semanas.

 

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