Lixão a céu aberto
De espaço de lazer a ponto de insegurança
Falta de cercamento e a escuridão do local são um convite a usuários de drogas e bandidos
Carlos Queiroz -
Entre um entalhe e outro na madeira que esculpe para ganhar a vida, Camilo Pereira, 66, viu o que era um amplo espaço de lazer utilizado pela comunidade da Balsa, na zona do Porto, se transformar em um esconderijo perfeito. A falta de cercamento, o abandono e a escuridão do local são um convite a usuários de drogas e bandidos. Motivo de sobra para a bronca de moradores do entorno e também dos estudantes da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
Como bem lembra Pereira, nem sempre foi assim. Pelo contrário. Dos mais de 30 anos vivendo na rua Pedro Osório de Brito, em pelo menos dois terços desse tempo a área foi limpa e bem cuidada. Um ponto de referência para as famílias. “Era um lugar limpo. As pessoas iam para baixo das árvores aproveitar a sombra nos finais de semana, tínhamos torneios de futebol. Agora é cheio de entulho e de sujeira”, recorda.
No momento, a única coisa que o terreno desperta na família dele é reclamação. Do filho Rafael, 19, porque não pode mais usar o local para jogar o futebol que reunia a comunidade. Bater uma bolinha, só longe de casa. E pagando. “Aqui a gente jogava de graça, perto de casa, não precisava alugar uma quadra. Nem todo mundo tem dinheiro para isso”, lamenta. Por parte da filha Franciele, 18, a preocupação dos pais é com a segurança. Como ela sai cedo para o trabalho, no breu da manhã antes das 6h, o medo é dos assaltos.
Temor, aliás, que não é só dela. Entre quem circula pela região, seja morador ou não, o cenário preocupa. Estudante de Administração na UFPel, Maria Luísa Salvador, 18, se diz uma sortuda por nunca ter sido assaltada. Mas também não dá chances para o azar. Como precisa pegar ônibus na parada bem em frente ao terreno abandonado, toma suas precauções para evitar ser surpreendida: não sai do pátio da universidade antes do horário do transporte e só fica no ponto aguardando se há mais pessoas junto.
“Tenho medo de ficar sozinha. Seria bom se transformassem esse lugar em uma praça, uma área para a gente ficar nos intervalos. Mas daí teria primeiro que ser limpo. Acho que ficaria ótimo”, diz.
A responsabilidade é de quem?
Para tentar dar um jeito no problema surgido desde o começo da instalação do campus Anglo da UFPel na região, há pouco mais de dez anos, a Associação Comunitária dos Moradores da Balsa (ACMB) vem batendo em muitas portas. Já procurou as secretarias de Serviços Urbanos e Infraestrutura (Ssui), de Qualidade Ambiental (SQA) e de Gestão da Cidade e Mobilidade Urbana (SGCMU). Em nenhuma delas encontrou uma solução.
“Ali foi feito um depósito de material de demolição do Anglo. É uma área particular, como se fosse um pátio interno da universidade. Várias notificações já foram feitas à UFPel sobre descartes de lixo. A última delas foi feita no ano passado”, explica o secretário da SCGMU, Jacques Reydams.
Conscientes de que é um terreno privado, parte dele da universidade e outra parte de uma empresa, os moradores buscam uma forma de pelo menos limpar o espaço. E, se possível, voltar a utilizá-lo como um ponto de lazer. “A nossa ideia é usar aquele espaço. Sabemos que tem dono, mas queremos um empréstimo da área enquanto não é usada por ninguém. Está abandonada. Se tivermos autorização para uso e uma parceria para limpar e montar um espaço de lazer, nos comprometemos a dar manutenção, a cuidar do local”, afirma o presidente da ACMB, João Paulo Pinho.
Na semana passada, a proposta foi mais uma vez levada à direção da UFPel. Em reunião com a pró-reitora de Extensão e Cultura, Nóris Leal, que também atua no Programa Vizinhança, mantido pela instituição para intermediar a relação com comunidades do entorno, Pinho reiterou a necessidade de qualificar a área como forma de também garantir mais segurança aos próprios estudantes e funcionários. “A própria universidade pode ser parceira e manter aqui programas e atividades de integração com a comunidade, com educadores físicos e outros profissionais fazendo trabalhos sociais. Eles gostaram da ideia e a gente torce que algo aconteça, pois assim não dá para ficar.”
O Diário Popular tentou conversar com a pró-reitora Nóris Leal sobre o assunto, mas não obteve retorno. De acordo com o vice-reitor Luís Isaías Centeno do Amaral, a UFPel tem consciência do acúmulo de entulho na área. Contudo, aponta que a retirada implicaria em cuidados para não causar danos à mata nativa. Afirma ainda que existem projetos para todos os espaços que integram o complexo do campus Anglo, inclusive o terreno em questão, considerado o melhor em potencial construtivo para os planos de expansão da universidade. Porém, a falta de recursos e processos judiciais envolvendo a Fundação Simon Bolívar - que recebeu a área antes dela se tornar a sede da instituição - seriam obstáculos para a execução dos planos. “O certo é que recebemos essa sugestão dos moradores e ela será avaliada”, garante.
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