Lagoa

Fé em uma safra positiva

Indícios ainda são poucos, mas pescadores da Z-3 mantêm a esperança de ter a segunda safra de camarão em sequência

Paulo Rossi -

O olhar divide-se entre a lagoa e o céu. Em um, a esperança de que lá se desenvolverão os camarões e os peixes responsáveis pelo sustento financeiro da família. Em outro, a fé de que os céus, seja através de favores climáticos ou divinos, darão as condições possíveis para isso. E dessa maneira a comunidade da Colônia de Pescadores Z-3, em Pelotas, vai se preparando para a safra do próximo ano.

“A gente tá achando que vai ser bom. Mas é Deus quem sabe. Quem manda é a chuva.” Enquanto as mãos hábeis de quem passou 57 dos 68 anos de vida na lagoa costuram as redes, já sem sequer precisar olhar as idas e voltas dos dedos e das agulhas, Francisco Ribeiro, o seu Chico, projeta o próximo ano. Ele já não pesca mais, mas ajuda o filho, Emerson, que seguiu seus passos. Enquanto ele está pescando corvina na Barra, em Rio Grande, seu Chico prepara o material visando a temporada do camarão, no próximo ano.

A última safra, a primeira em quatro anos, foi relativamente boa para ele. “Nota oito ou nove”, na opinião de Chico. Serviu para ajeitar as contas. Mas para alguns dos colegas, nem isso. Com os ventos da última semana, suas esperanças se renovaram. Mesmo sendo leste, acredita na possibilidade de ajudar a baixar o nível da água doce, tornando o ambiente perfeito para a entrada da água salgada do Oceano Atlântico. Com ela, viriam as larvas do camarão para desenvolverem-se na lagoa e trazer uma nova safra positiva aos pescadores. Mas para isso, é preciso salgar. E não chover. Ele acredita que isso acontecerá, mas o “sal” precisa entrar, preferencialmente em dezembro.

O Sindicato dos Pescadores da Z-3 diz que a última safra foi positiva, mas rápida. Durou cerca de dois meses, lembra o vice-presidente Sandro Pinto. Serviu para o mercado interno da cidade. A festa da Colônia Z-3 e a Semana Santa ajudaram a tirar um lucro bom. No entanto, alguns dos pescadores não conseguiram pagar as contas devido ao grande acúmulo pelos anos em sequência sem o crustáceo entrar na lagoa. O sindicato fala em 70% deles ainda inadimplentes com as dívidas. E isso dificulta para outros também conseguirem empréstimos futuros.

A falta de perspectiva é um cobertor curto. As embarcações precisam ser preparadas, os financiamentos estão difíceis e não se sabe qual será o futuro. “Nós dependemos só do mar”, ressalta Rudinei Rodrigues, secretário do sindicato. A combinação estiagem e vento Sul é a esperança do momento. Assim, o camarão faria de vez a migração do mar para a lagoa. A situação ideal, no ponto de vista dos pescadores, é o sal chegar até São Lourenço do Sul. Dessa maneira, a parte mais funda da lagoa ficaria salgada e não sairia daqui a parte mais baixa, até o final da safra, segundo a explicação dos pescadores.

O que os céus mandam?
A meteorologista Estael Sias, da Metsul Meteorologia, explica que devemos ter o fenômeno climático El Niño, responsável pelo aquecimento do oceano pacífico central. Mas neste ano, com características diferentes. Ele se instalou de forma tardia. Normalmente, isso acontece em julho e seus efeitos são sentidos na primavera e no verão, mas até agora não chegaram. Seus efeitos levam de quatro a oito semanas para acontecer e até agora, nada. A perspectiva é que ainda em novembro sua influência seja reconhecida, estendendo-se até o início do outono. Mas neste ano, podemos ter um El Niño não clássico ou até um falso fenômeno, como em 2004 e 2005. O Pacífico aqueceu, mas no Rio Grande do Sul a situação foi diferente da comum, que é chuva abundante e bem distribuída.

Os mapas de previsão da chuva apontam novembro dentro ou abaixo da média na Metade Sul. Porém, áreas ao Norte devem ter mais abundância de precipitações, fazendo escoar maior volume de água à Lagoa dos Patos. Dezembro possui tendências de volumes de chuva acima da média. “Mas é preciso lembrar que dezembro já tem um regime de chuvas de verão, mais isoladas, esporádicas e mais falhadas. Não é aquela chuva parelha, bem distribuída. Mas ainda assim pode ter impacto no nível da lagoa”, aponta a meteorologista.

Apesar da perspectiva inicial não ser boa, os meses de janeiro, fevereiro e março, principalmente os dois últimos, terão chuvas abaixo da média. Há, inclusive a possibilidade de escassez e déficit hídrico em algumas regiões gaúchas. Somam-se a isso as temperaturas altas. “Aliás, todos os próximos meses têm previsões de temperaturas acima da média, o que acelera a vaporação e em situação de dez, 20 dias sem chuva e com temperatura alta”, analisa. Dessa maneira, o nível da lagoa pode baixar. E enquanto isso, as expectativas e esperanças continuam firmes.

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