Ausência

Mães condenadas pela saudade

Das 65 detentas que cumprem pena no Presídio Regional de Pelotas, 45 têm filhos

Fotos: Gustavo Mansur 

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Elas estão do lado de dentro. Eles, do lado de fora. Mães encanceradas. Filhos condenados a crescer com a ausência de suas genitoras. Entre eles, um muro de sentimentos separa a vida no cárcere da maternidade. O direito a uma visita por mês distancia ainda mais essa relação. Levantamento da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) aponta que 45 das 65 mulheres que cumprem pena no Presídio Regional de Pelotas (PRP) têm um ou mais filhos. Mais da metade ainda aguarda por sentença condenatória. A maioria cumpre pena por tráfico de drogas e receptação.

A reportagem do Diário Popular esteve no PRP e conversou com mães que lá estão presas.

Ao entrar na casa de detenção, as grades de ferro - algumas com pequenos pedaços corroídos pela ação do tempo -, as paredes descascadas que um dia já foram brancas, a falta de iluminação solar nos corredores das galerias onde ficam as celas e o forte cheiro de umidade não deixam esquecer que naquele local vivem 1.050 pessoas.

O primeiro contato com *Joana, *Lúcia e *Maria - nomes fictícios para preservar as identidades das detentas - foi na sala da administração do presídio. Elas preferiram conversar lá porque consideraram que seria mais silencioso.

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*Joana, 32 anos, é mãe de cinco filhos - entre eles um bebê de cinco meses. Foi presa com 400 pedras de crack, 27 dias após deixar a cadeia pela primeira vez. Nas duas situações "caiu" por tráfico de drogas. "Eu sei que poderia ser presa mais uma vez, mas o mercado não oferece oportunidades e eu preciso dar o que comer para as crianças", confessou.

Com os cabelos pretos penteados e arrumados para esperar a equipe de reportagem, ela conta que desde o nascimento do bebê não teve mais contato com o filho. "Eu entrei grávida. Fui para o hospital fazer o parto e 24 horas depois eu já estava no presídio, sem meu filho", contou. "Não tive tempo de amamentar meu bebê. Aquela troca de olhares, a conversa silenciosa que acontece entre mãe e filho, eu não pude ter", lamentou. O pai da criança e de outros dois filhos de *Joana também está preso no PRP.

Como não pode ficar com o menino porque a casa de detenção não tem setor de Maternidade, o caçula de *Joana está com uma mulher descrita por ela como "estranha" - o termo significa parente distante - a medida é para que o menor não seja encaminhado ao Conselho Tutelar. "Dói pensar que quando eu tiver contato com meu filho, ele não vai me conhecer. Para ele, a mãe é ela. Eu fico imaginando como será que está o rosto dele, será que ele cresceu muito? Está parecido comigo ou com meu marido? Tudo passa pela minha cabeça. Se a pessoa que está com meu filho não trouxer ele aqui, eu vou passar mais tempo sem ver ele. Por enquanto, não vou sair daqui", desabafou. Conforme *Joana, os dois filhos mais velhos, de 16 e 14 anos, estão com o ex-marido e moram em Rio Grande. Os adolescentes, segundo ela, nunca a visitaram no presídio. As outras duas crianças de cinco e três anos estão com uma familiar e também não vão visitar a mãe.

*Lúcia, 19 anos, é mãe de uma menina de três meses. A jovem foi presa por receptação durante a Operação Ceifadores da Polícia Civil. Foi pega em escutas telefônicas. Com seios cheios de leite, fala com amor da criança. Tenta se "enganar" dizendo que Dia das Mães é todos os dias. Esfrega uma mão na outra. Pausa. E chora. Emocionada, diz que uma familiar está com a criança, já que o pai da menina também está cumprindo pena no PRP. Ela lembra que na última vez que a filha foi visitá-la no presídio, a criança chorou por não a reconhecer. "É a pior sensação. Não tem o que descreva isso. Virei uma estranha para ela por culpa minha", disse.

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Um pouco mais à vontade, *Maria, 22, é mãe de duas meninas: uma de sete anos e outra de 11 meses. Cumpre pena por associação ao tráfico. As filhas estão com a bisavó, idosa de 67 anos. Ela conta que foi presa porque ajudava o marido no tráfico de drogas. Ele, que é pai das meninas, também está preso. Ansiosa para expor o carinho entre mãe e filha, *Maria resolveu ir à cela mostrar cartas feitas pela menina de sete anos. Ao percorrerem os corredores do presídio até a ala feminina, as três detentas caminhavam em silêncio de cabeça baixa, enquanto agentes penitenciários iam destrancando as grades de acesso.

Ambiente de grades
Nas celas, as condições precárias em que vivem 65 detentas são disfarçadas através de cartazes, almofadas e declarações de amor entre mães e filhos. Elas dormem em beliches. Num local onde caberiam quatro mulheres, sete dividem espaço. O ar gelado do inverno que corre naquele lugar não pede licença, atravessa as grades e se instala na ala feminina.

De acordo com o diretor do Presídio Regional de Pelotas, Fluvio Bubolz, as mulheres recebem acompanhamento médico durante o período de gestação.

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Maternidade nos presídios
O artigo 5º da Constituição Federal assegura às presidiárias "condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação"; A Lei de Execução Penal (LEP) exige que "os estabelecimentos penais destinados a mulheres" sejam dotados de "berçário, onde as condenadas possam cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, até seis meses de idade". A LEP prevê que a casa prisional deve ter seção para gestante e creche para abrigar crianças maiores de seis meses e menores de sete anos. A Lei de Execuções Penais também estabelece preferência para "penas não privativas de liberdade" para mulheres grávidas e com filhos dependentes.

Novo Presídio de Pelotas
De acordo com o titular da 5ª Delegacia Penitenciária, Hamilton Fernandes, caso o novo Presídio de Pelotas saia do papel, a intenção é construir um espaço de maternidade para que as detentas possam ter contato diário com os filhos. "A grande maioria das detentas é de mães. Existe uma questão com a qual a sociedade não lida, que é sobre onde estão e com quem estão os filhos. Para as que estão grávidas no cárcere, a lei garante um mínimo de seis meses de convivência. Esse é um direito da criança, não apenas da mãe. Como não tem espaço para que elas possam estar com os filhos, a Justiça manda separar (mãe e criança)", comentou.

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