Dia das Mães

O abraço materno depois de 63 anos

Guilhermina (mãe) e Jurema (filha) nunca perderam a esperança de se rencontrarem

Fotos: Jô Folha

JF_2624

Sessenta e três anos se passaram depois que Guilhermina Nunes Neto, na época aos 18, deu à luz uma menina, a qual foi obrigada pelos pais a entregar para adoção. Passou a vida inteira procurando a filha. E aos 86 a encontrou, com a ajuda de uma neta que mora na Espanha. Mais uma vez a internet viabilizou um desfecho feliz. As duas mulheres fizeram DNA e têm a certeza de que são mãe e filha. O abraço esperado há tanto por ambas finalmente pôde ser dado e agora, mesmo morando uma em Porto Alegre e a outra em Pelotas, não pretendem mais deixar de se ver.

A secretária aposentada Jurema Silveira da Costa, 63, foi criada por um casal afrodescendente e durante toda a vida escolar era indagada sobre isso. Não sabia dar explicações, mas tinha consciência de que sua mãe biológica era outra. E também procurou por ela a vida toda. Os pais adotivos receberam a menina, mas não sabiam quem eram seus pais. "Sempre estive em busca da minha mãe. O casal que me adotou me contou a verdade quando eu tinha seis anos. Eles me disseram que fui dada por uma terceira pessoa, que trabalhava no hospital onde eu nasci", conta.

JF_2625

Jurema casou aos 20 anos e teve dois filhos, hoje com 35 e 42 anos. Com o passar do tempo passou a investigar mais profundamente o silêncio e a falta de informações que rondavam seu nascimento e sua adoção. "Sofrimento, tristeza e mágoa eu senti a vida toda. Até que um dia saí com meu marido e peguei o nome de todas as mulheres que tiveram nenê na data e no hospital em que nasci. Fui a várias cidades, falei com várias pessoas, até que me disseram para entrar no site do hospital e lá eu me deparei com dona Guilhermina, que fazia seu relato, através da neta. Fui abandonada porque meus avós não me aceitaram. Entrei em contato com a neta dela e tivemos nosso primeiro encontro em Porto Alegre", relata.

Ao olhar uma para a outra já notaram o quanto eram parecidas. Fizeram o DNA e veio a certeza: eram mãe e filha. Guilhermina havia colocado o nome dela de Neiva, no pouquíssimo tempo que teve após seu nascimento. Não contava que iriam mudar e que ela se chamaria Jurema. Passou todos esses anos procurando por uma Neiva. A família da mãe se encarregou de apagar até mesmo o registro no hospital onde Jurema nasceu, por isso foi tão difícil localizar sua mãe biológica. Somente com o relato da neta é que isso foi possível. "Hoje posso dizer que o sonho de 63 anos se concretizou. Minha mãe veio e vou passar meu primeiro aniversário com ela", fala, emocionada e feliz.

JF_2618

O drama do parto
Guilhermina nasceu no terceiro distrito de Canguçu e agora busca uma sobrinha que pensa existir ainda lá, onde nasceu, se criou e acabou sendo expulsa quando engravidou, mesmo sendo obrigada a dar a filha. Ela conta ter engravidado de um rapaz que conheceu em uma festa de dança (assim mesmo que ela fala). Começaram a namorar e só depois de um tempo ela descobriu que era casado. "Não quis mais ele. Mas descobri depois que estava grávida. Ele nem soube que engravidei", revela. Sua mãe não aceitou de jeito nenhum e disse que não voltaria para casa com um filho nos braços ao sair da maternidade. Foi levada pelo irmão para o hospital uns dois meses antes do nascimento da menina.

A parteira disse a ela que conhecia uma moça que queria um bebê e Guilhermina perguntou se era gente conhecida, do bem. "Quando ela nasceu, pegaram ela e me prometeram que de 15 em 15 dias eu teria notícias e que de mês em mês iam me levar para ver, porque eu chorava muito. Mas nunca mais soube nada e nem a vi", prossegue. Passado um tempo conheceu o homem que seria seu marido, pai de seus outros três filhos. Ganhou a primeira filha em Canguçu e os outros dois (uma filha e um filho) em Pelotas.

JF_2620

Mas casar não foi sinônimo de felicidade. Ao contrário. O marido bebia, quebrava tudo dentro de casa e ainda batia nela. "Me dava de pontapé. Fiquei cheia de varizes. Sofri no mundo o que o diabo deixou de amassar com os pés. Aí um dia eu não aguentei mais e me separei", diz. O marido também ficava com todo o dinheiro que ela ganhava lavando roupa para terceiros. Ao longo da vida enfrentou ainda problemas de saúde. Teve uma trombose e foi submetida a uma cirurgia para receber um marca-passo. "Passei muito trabalho com ele, mas não tinha dinheiro para nada, filhos pequenos, não sabia o que fazer", completa.

O tempo passou e ela conseguiu criar os filhos. Mudou-se para Porto Alegre e sua vida incompleta prosseguiu até o dia que a neta perguntou se ela queria encontrar a filha. "Minha neta falou: 'Pode deixar vó que eu vou encontrar'. E achou mesmo", fala Guilhermina, ao acrescentar que sempre teve fé em Deus, que ele não ia deixá-la morrer sem encontrar a filha perdida. "Agora me sinto feliz da vida. Completa", afirma, com os olhinhos pequenos que tem (iguais aos de Jurema) brilhando.

JF_2616

Os filhos todos reunidos
Guilhermina veio para Pelotas com os filhos Neusa Silveira Solaz, a mais velha, e Carlos José Silveira, o caçula. Selma Silveira dos Santos, 55, já estava na cidade esperando por eles, com o marido, a filha e o neto. Segundo Selma, a mãe sempre contou para todos sobre a existência de uma irmã. "Quando encontraram ela eu estava na aula de direção e me emocionei muito. A mãe sempre contou a história para a gente. O sonho dela era reencontrar a filha. Sofreu a vida inteira por isso. Mandei a história dela até para programas de televisão, pedindo ajuda, mas nunca recebi retorno. Até que a internet nos ajudou", enfatiza.

"Descobri em dez dias o que levei 62 anos", completa Jurema, feliz com a família toda reunida para a festa de seu aniversário. "A gente teve uma sintonia muito boa eu, minha mãe e meus irmãos. Já conheci todo mundo, até os sobrinhos", diz, entre um abraço e outro, muitos sorrisos contidos durante todos esses anos e estampados no rosto de cada membro daquela família. Era mesmo dia de festa. Que continua hoje, no primeiro Dia das Mães em que Jurema tem uma para reverenciar e que Guilhermina ganhou a filha de volta.

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Mães condenadas pela saudade Anterior

Mães condenadas pela saudade

BGV recebe atividade em alusão ao Dia das Mães Próximo

BGV recebe atividade em alusão ao Dia das Mães

Deixe seu comentário