Educação
Mestrado nos trilhos da memória afetiva
Estudante pelotense da UFRGS realiza dissertação sobre apogeu e declínio das estações ferroviárias da região
Paulo Rossi -
O ferro se corrói, o mato sobe, o dormento apodrece. Mas a memória não envelhece. Principalmente quando coletiva e se tratando de categoria tão intimamente ligada ao trabalho desempenhado. As recordações de trabalhadores e trabalhadoras da Rede Ferroviária Federal S.A. na Metade Sul gaúcha são o tema de dissertação de mestrado em Antropologia Social que Guillermo Gomez defendeu no início de março na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
A dissertação é apenas mais um vagão no trem da formação do estudante. O interesse pelo assunto teve início com o ingresso no projeto de pesquisa Memórias da Estação Férrea, coordenado pela professora Cláudia Turra na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura (Secult). Depois, o tema foi o cerne do Trabalho de Conclusão de Curso em Ciências Sociais na mesma instituição para, enfim, basear a pesquisa de mestrado na capital.
Durante o processo, chamou a atenção de Gomez principalmente o enraizamento de trabalhadores e trabalhadoras com o modo de vida ferroviário. O aumento da malha era sinônimo de progresso tecnológico e de novas cidades - como Pedro Osório, surgida a partir de estação ferroviária. Esse prestígio, alcançado pela importância no processo de urbanização do Brasil, deu às pessoas que prestavam serviço à RFFSA benefícios sociais como previdência própria, clubes sociais, médicos, residências e, através deles, relação muito íntima com a rede.
Hoje presidente do Sindicato dos Ferroviários do Rio Grande do Sul, Orlando Chagas é bom exemplo e a claraboia feita de antigo vidro com o logo da empresa ilustra bem. Ele guarda recordações carinhosas dos bons momentos, como os tantos lugares que visitou e as tantas Olimpíadas das Ferrovias que disputou, e dos maus dias, como a queda de um trem na Ponte de Rio Grande em meados dos anos 1980. "Aí chegou um e disse que tinha caído o trem. Dizem que partiu do Povo Novo para Pelotas correndo porque o auxiliar tinha infartado. Por isso ele não tinha água nos pulmões, já estava morto quando caiu", conta.
Chagas também lamenta o período de privatização. Iniciado em 1992, com a inclusão da RFFSA no Programa Nacional de Desestatização, o processo acabou por dar o último golpe no período áureo das ferrovias. "Foi a degola", comenta. Gomez explica a época: "Foi a efetivação de um absurdo, um processo tratado no início como rumor. Começou com o declínio dos trens a partir da escolha do Brasil pelo investimento em rodovias". De 600 funcionários, as ferrovias passaram a 160 após venda para a iniciativa privada.
O fim não foi capaz de destruir as memórias armazenadas por quem entrou na Estação Ferroviária em 1957 e só saiu de lá 30 anos depois. Rubens Medeiros, 83, entrou na empresa como "tuco" - trabalhador cuja atuação se dava de forma por vezes solitária e desumana em meio à mata para a construção e a manutenção dos trilhos. "Chuva ou sol, tinha de estar carregando dormento. Entrava às 7h e só saía do mato no dia seguinte", conta, com sorriso orgulhoso e nostálgico.
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