Dossiê lilás

Novo laboratório atrasa entrega dos exames de pré-câncer

Demora de mais de dois meses para ter acesso ao resultado já foi relatada ao Conselho Municipal de Saúde.

Gabriel Huth -

O prazo para a entrega dos exames de pré-câncer em Pelotas está no edital que definiu regras ao novo laboratório responsável pela análise: de sete a dez dias. Na prática, é bem diferente do que tem ocorrido. Pacientes da rede pública têm aguardado pelo menos dois meses para ter acesso aos resultados dos laudos do Serviço Especializado de Ginecologia (SEG) S/S, de Porto Alegre. A demora já foi, inclusive, relatada em reunião do Conselho Municipal de Saúde. Nos próximos dias, a Frente Mobilização Pela Vida das Mulheres Pelotenses (MOB) estará engajada em dois eventos para marcar um ano da suspeita de fraude nos exames - a ser completado em 12 de julho - e fazer ecoar forte uma mesma cobrança por esclarecimentos e medidas que possam qualificar o sistema.

Neste terceiro e último capítulo da série Dossiê lilás, o Diário Popular ainda traz a palavra do Instituto Geral de Perícias (IGP), que não tem previsão para encerrar as reanálises de lâminas apreendidas com ordem judicial no SEG Ltda, de Pelotas. Em resposta, via assessoria de imprensa, o órgão explicou que o trabalho é feito em paralelo aos demais casos. Situações que envolvem réus presos, por exemplo, são prioritárias. Daí, portanto, a impossibilidade de anunciar datas prováveis para conclusão.

A promotora Rosely de Azevedo Lopes, que se pronunciou em coletiva à imprensa em 19 de fevereiro - quando apresentou parcial de dados do IGP -, decidiu não comentar o andamento do inquérito. Uma série de questionamentos sobre quantas e quais pessoas já foram ouvidas, previsão para o encerramento e o impacto que os relatórios do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e do Departamento Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde (Denasus) poderão ter sobre as investigações ficaram sem resposta.

Números definidos, mas data em aberto nas reanálises do IGP
O total de lâminas que passarão por reanálise do IGP já está definido. Serão exatamente 589; o equivalente a 3,4% das 17 mil lâminas que estão sob poder do Instituto. À capital do Estado foram encaminhadas, até agora, 373 de um total de 489 lâminas da Unidade Básica de Saúde (UBS) Bom Jesus, de onde partiu a suspeita de fraude. As outras cem, a pedido do Ministério Público (MP), serão escolhidas aleatoriamente dentro deste grande lote de 17 mil; todas compreendidas entre janeiro de 2017 e junho de 2018.
O período que virou alvo de verificação do IGP é também alvo de crítica de quem exige respostas claras. Em documento assinado por enfermeiros e médicos da UBS Bom Jesus, em janeiro de 2016, era feito alerta ao Município: há dois anos os exames - analisados pelo SEG Ltda, de Pelotas - não indicavam alterações nos resultados nem ressalvas de material mal coletado. Questiona-se, principalmente, a competência do laboratório contratado para análise das lâminas - sinalizava a ata. Deixar de fora da reanálise, então, exatamente os anos de 2014 e de 2015 causa descontentamento. Ao ser questionado sobre o critério de escolha, o IGP informou: "Foram enviadas as que estavam organizadas e revisadas".
O Diário Popular tentou contato com uma das profissionais da Bom Jesus, que teria identificado contradição entre exames ginecológicos de pacientes e resultados do pré-câncer, mas a médica preferiu não se manifestar; nem com a identidade preservada. O Instituto Geral de Perícias destaca, entretanto que o material de 2014 não estaria na iminência de ser descartado, em função do prazo mínimo de cinco anos para ser mantido em arquivo, conforme estabelece parecer 27/94 do Conselho Federal de Medicina (CFM). E ressalta: a Sociedade Brasileira de Patologia recomenda pelo menos a duplicação do prazo, estendendo para dez anos o tempo mínimo de guarda das lâminas. As lâminas não estariam, portanto, sob risco de "vencer".

Confira os resultados já divulgados (*)
- Até agora o IGP analisou 196 lâminas
- Apenas 1 caso apresentou resultado diferente da avaliação do SEG Ltda

(*) As 17 mil lâminas estão sob poder do IGP; uma pequena parte em Porto Alegre. O restante em Pelotas.

Frente mantém mobilizações e marca dois eventos
Quase um ano depois das denúncias, a Frente Mobilização Pela Vida das Mulheres Pelotenses (MOB) segue com as mesmas convicções da época. Uma das integrantes conversa com o Diário Popular e sustenta a posição de que havia padronização dos laudos assinados pelo SEG de Pelotas; os chamados falsos negativos. E, para dar peso ao que diz, Niara de Oliveira agarra-se ao caso de pacientes - três delas já morreram - em que o câncer foi detectado em fase avançada após repetidos exames citopatológicos não terem apresentado qualquer alteração.

"Essas mulheres tiveram a saúde roubada, mesmo sendo pacientes padrão", reafirma. E garante que elas só se defrontaram com o diagnóstico após sangramento, dor e o pagamento de exames pela rede particular. Niara também dispara críticas ao período das lâminas que estão sob poder do IGP e o tamanho da amostra reanalisada: "Isso não é nada, não é seguro para poder afirmar que a suspeita de fraude está descartada. Não é comparativo. Não é nada".

A Frente levou o caso, formalmente, aos Conselhos Estadual e Federal de Saúde e fez a suspeita chegar à Câmara dos Deputados e provocar a atuação do Departamento Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde (Denasus) em Pelotas.


"Tu não tem mais paz. É uma tortura mental"
A fase é de acompanhamento. A secretária Ana Maria Nobre, 40, já encerrou o tratamento para combater o câncer de colo de útero. Enfrentou cinco sessões de quimioterapia, 28 de radioterapia e quatro de braquiterapia, entre dezembro de 2017 e fevereiro de 2018. "Quando eu recebi a confirmação da doença, desabei. Até hoje não tenho mais paz", admite. A cada novo citopatológico, como o coletado no último dia 14, reacende a angústia do que pode estar por vir. Uma coposcopia, que poderá dar mais detalhes sobre o útero, só deve ser realizada em setembro. "Fico com medo que volte. Tenho tido várias infecções urinárias".

Em breve, Ana Maria deve ingressar com ação indenizatória na Justiça. A papelada já está toda guardada. Em agosto de 2017, só quando já iria realizar a terceira cauterização e procurou o Hospital-Escola da Universidade Federal de Pelotas (HE-UFPel), para que pudesse passar pelo procedimento sedada, surgiu a suspeita. A cauterização nem chegou a ser feita. Os dois médicos decidiram, imediatamente, recolher material para encaminhar à biópsia. Vieram, então, o diagnóstico e a luta para derrotar o câncer.

"Eu fico me perguntando como eu tinha realizado duas cauterizações antes, no Centro de Especialidades, e ninguém notou nada?", indigna-se. Em 22 de fevereiro de 2017, o exame de pré-câncer realizado no SEG Ltda indicava: Negativo para malignidade. Menos de seis meses depois, em 11 de agosto, a biópsia confirmava: Carcinoma epidérmico grau 3. "Até hoje não tenho mais tranquilidade", reitera. E busca ânimo ao ver a filha Marina Manoela Nobre Rubira, de dez anos de idade, crescer.

Sem acolhimento
A moradora do Arco-Íris, Valdaci de Medeiros, 68, retornou para casa surpresa. Ao procurar a UBS com intenção de fazer a coleta de pré-câncer, recebeu a instrução: "Pra sua idade não precisa mais". E, realmente, a idade da época - de 66 anos - não estava mais na faixa preconizada pelo Ministério da Saúde para o citopatológico. O que chama atenção, entretanto, é que Valdaci não foi orientada a retornar nem para consulta ginecológica de rotina. "Me surpreendi, porque já tive nódulos e imaginei que precisasse ser examinada".


O que diz a Secretaria de Saúde 
- Atraso na entrega dos exames: O secretário de Saúde, Leandro Thurow, garante que a demora para entregar os resultados às pacientes teria sido causada por problemas na liberação do acesso ao Sistema de Informação do Câncer (Siscan), onde os dados são cadastrados. E admite: "O acúmulo inicial ainda repercute".

- Prazo para normalização: Leandro Thurow não apresenta, entretanto, previsão para os prazos passarem a ser cumpridos.

Detalhe, a lei federal 12.732, de novembro de 2012, estabelece: O paciente com neoplasia maligna tem direito de se submeter ao primeiro tratamento no Sistema Único de Saúde (SUS), no prazo de até 60 dias contados a partir do dia em que for firmado o diagnóstico em laudo patológico ou em prazo menor, conforme a necessidade terapêutica do caso registrada em prontuário único.

Em Pelotas, o entrave tem começado antes. As mulheres não têm tido nem o prazo inicial - para saber se possuem alguma alteração em que precisem correr contra o tempo - respeitado. Ficam à espera dos resultados.

- Baixo índice de alteração nos exames: O fato de os percentuais de exames alterados terem oscilado de 0,20% a 0,74%, entre 2014 e 2017, bem abaixo do considerado aceitável pela Qualicito - que é de 3% a 10% -, não reforça a suspeita de fraude entre integrantes do primeiro escalão da Secretaria de Saúde de Pelotas, seja em função de problemas nas coletas e/ou nas análises. O secretário Leandro Thurow, a diretora de Ações em Saúde, Eliedes Ribeiro, e as duas ex-secretárias Arita Bergmann e Ana Costa são unânimes em afirmar: o baixo nível de alteração justificaria-se porque, em geral, são as mulheres saudáveis as que mais realizam o exame regularmente. Não raro, uma vez por ano. É a tese defendida.

"Quando tem alteração podemos pensar, muito rapidamente, que pegamos uma parcela da população que não está viciada", enfatiza Thurow. Aliás, aí estaria o grande desafio do governo: captar as mulheres que não têm procurado a rede básica de saúde para apostar na prevenção. Ao mesmo tempo, dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca) revelam: as taxas de mortalidade por câncer de colo de útero em Pelotas, de 2010 a 2017, se mantêm dentro das médias gaúcha e brasileira. Em 2017, por exemplo, ficou inclusive abaixo: com 6,09 casos a cada cem mil habitantes.

- Atendimentos restritos? A diretora de Ações em Saúde, Eliedes Ribeiro, é incisiva: "Não há nenhuma orientação, nem do Ministério da Saúde nem da prefeitura, para que as mulheres deixem de ser examinadas em função da idade". Eliedes, inclusive, faz questão de ressaltar que as consultas ginecológicas devem ser anuais, independentemente, de as mulheres realizarem a coleta de material para o exame de pré-câncer, já que vários tipos de alterações podem ser identificadas durante a avaliação médica, inclusive, nas mamas.
Não há, portanto, nenhum justificativa para a moradora do Arco-Íris ter retornado para casa sem o atendimento.

Participe!
- Dia 3 de julho, às 19h: Audiência pública A precariedade da saúde da mulher em Pelotas, chamada pela vereadora Fernanda Miranda (Psol), no plenário da Câmara

- Dia 12 de julho, no final da tarde: Ato em protesto contra a precarização dos serviços e da estrutura pública de Saúde da Mulher. O local ainda não está definido

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Cooperativa ganha prensa hidráulica Anterior

Cooperativa ganha prensa hidráulica

Rio Grande: Banco de Leite do HU-Furg precisa de doações Próximo

Rio Grande: Banco de Leite do HU-Furg precisa de doações

Deixe seu comentário