Consequências

Parte dos moradores permanece na Ilha dos Pescadores sem água e eletricidade

Temendo saques, eles preferem se abrigar em barcos e em um acampamento improvisado a ir para abrigos; com diminuição de doações, a água potável se tornou escassa

Foto: Volmer Perez - DP - Localidade próxima à ponte sobre o Canal São Gonçalo tem águas elevadas perto das casas

No início do mês, as primeiras áreas alagadas pelas águas vindas do Guaíba foram as localizadas próximas ao Canal São Gonçalo. No dia 7 de maio, boa parte das casas da Ilha dos Pescadores, próximo à ponte entre Pelotas e Rio Grande foram inundadas; um dia depois, a rua inteira estava tomada pela água. Após duas semanas, a maioria dos moradores tiveram que abandonar as residências e ir para abrigos. No entanto, ainda restam pessoas que estão vivendo nos barcos de pesca e, inclusive, em uma barraca devido ao temor de saques. Além de estarem fora de seus lares, eles estão todo esse tempo sem água e energia elétrica. 

Antes movimentada pelo alvoroço de pessoas retirando bens de casa e saindo com a família, agora o silêncio predomina na rua onde há cerca de 50 residências de pescadores. A água alcançou a altura de metade das portas da maioria das casas e a única circulação no local, na parte seca, é de galinhas e cachorros que foram deixados para trás. Em um bote, duas vizinhas estavam chegando em suas casas para conferir como estavam as moradias. Ambas estão abrigadas em barcos de pesca com suas famílias. “A gente se vira como pode, mas agora está ruim porque estamos sem água e a luz cortaram no segundo dia [8 de maio]”, diz Camila da Rosa. Ela explica ainda que as embarcações estão em locais estratégicos de onde é possível observar as casas. “Tem mais famílias morando nos barcos, se não fosse os barcos a gente teria que ir para os abrigos”.

A moradora e a vizinha Amanda Alves contam que na primeira semana de inundação o fornecimento de marmitas era constante, agora as doações só vêm para o almoço e não são enviadas nos finais de semana. “A gente tinha um ranchinho que a igreja deu”, conta Amanda sobre como as famílias estão se alimentando. Elas dizem que além dos alimentos, o item de maior necessidade é água potável, a que estão há três dias sem acesso. “Todo tipo de doação é bem-vindo, mas mais é água mesmo, a gente usa bastante porque eu tenho uma guriazinha de dois anos”. 

Na casa de Camila e Amanda, a água estava acima da cintura quando saíram, elas tentaram levantar o máximo possível de móveis, mas mesmo assim a cheia atingiu boa parte dos bens. “A tristeza maior vai ser na hora de entrar em casa e ver as coisas que a gente não conseguiu levantar”, lamenta Camila.

Michele e o marido montaram um acampamento improvisado próximo às suas casasFoto: Volmer Perez - DP


Acampamento como refúgio 

Dentre os moradores que não saíram da Ilha dos Pescadores, está a família Stein, um casal com três filhos que está abrigado há mais de uma semana em uma espécie de acampamento na parte alta da localidade, próximo à antiga ponte sobre o Canal São Gonçalo. Sem barcos para recorrerem, eles juntaram lonas para improvisar uma moradia e não precisarem ir para abrigos. “A gente decidiu ficar por causa dos roubos. Se a gente sai levam tudo”, diz Michele Stein. 

Ela ressalta que, entre os desafios da situação, o pior são as perdas dentro de casa. “Na minha casa deu meia parede de água, levantei o que eu pude, nem fui lá olhar ainda, nem quis olhar. Eu disse para o meu esposo que só vou descer lá quando a água baixar mesmo”. A moradora nasceu e viveu a vida inteira na comunidade de pescadores. Com a experiência em cheias, ela mensura que irá demorar no mínimo mais um mês para as águas do São Gonçalo baixarem. “Estou preparada [para esperar], me sinto mais segura perto de casa e dos familiares”, relata. No entorno do acampamento também estão porcos e cães que são família e foram resgatados da água. 

Entre as perdas e a invisibilidade

“Depois que a água entrou dentro de casa acabou com tudo”, afirma Valdomiro Stein, primo de Michele. A casa do pescador na Ilha dos Pescadores não chegou a ser inundada. No entanto, na sua moradia no Pontal da Barra, local em que ele passa a maior parte do tempo devido às capturas na Lagoa dos Patos, a água chegou à altura da mesa de jantar e estragou o freezer novo comprado para o armazenamento do pescado. “Lá eu perdi tudo”, afirma ao mostrar fotos da residência alagada. Porém, o que Stein mais lamenta são as perdas de seus familiares. “Minha filha, a minha cunhada perderam tudo dentro de casa”. 

O pescador usa diariamente o seu barco para distribuir as marmitas doadas aos moradores que estão abrigados em barcos. Ele ressalta que a água tem sido o item de maior escassez na Ilha. “A gente precisa de muita água, para beber, tomar banho, para os animais. Aqui esqueceram de nós”.

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