No ônibus

Pessoas com deficiência perdem gratuidade no transporte coletivo em Pelotas

Na hora de renovar o cartão, os usuários que estão trabalhando perdem automaticamente o benefício

Paulo Rossi -

Dúvidas sobre a gratuidade do transporte coletivo a pessoas com deficiência têm provocado preocupação e debate em Pelotas. Lideranças da Associação dos Deficientes Físicos e do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência e Altas Habilidades lutam para alterar a lei - 5.212, de janeiro de 2006 - e evitar a perda do passe livre, como tem ocorrido entre passageiros que estão no mercado de trabalho. As duas entidades, entretanto, não possuem dados oficiais sobre o número de benefícios suspensos nos últimos meses.

O Consórcio do Transporte Coletivo de Pelotas (CTCP) também não apresentou paralelo, sob o argumento de que o sistema anterior a julho de 2016 funcionava sem controle. A queda de 8% nas viagens com cartão da categoria Especial serve, entretanto, de termômetro dos cortes. Para assegurar a gratuidade, ao menos às pessoas com renda familiar até três salários mínimos - como dita a legislação municipal -, Associação e Conselho buscam apoio para modificar a redação do artigo 3º, que enquadra como deficiência permanente as situações que geram incapacidade real para o desempenho de atividade remunerada (leia mais abaixo).

Na prática, portanto, todas as pessoas que estão inseridas no mercado - um sonho também antigo - têm tido o passe livre cortado na hora da renovação. Quem confirma é o secretário executivo do Consórcio, Enoc Guimarães. "Partimos da premissa que se a pessoa está trabalhando não se enquadra no critério de incapacidade real. Então não vai receber o benefício, independentemente do valor do salário", assegura o advogado. E defende o cumprimento da legislação, que estaria sendo fraudada até então, com renovações sem controle.

Diálogo pela alteração na lei já começou
As tratativas para alterar o texto do artigo 3º já começaram. Para evitar vício de origem, a mudança tem que partir do Executivo e não da Câmara. Nas últimas semanas, portanto, representantes do Conselho e da Associação já sentaram com a prefeita Paula Mascarenhas (PSDB) e com o secretário de Transporte e Trânsito, Flávio Al-Alam.

E para assegurar que a proposta seja aprovada no Legislativo, teve início também o contato com os 21 parlamentares - contam o vice-presidente do Conselho, Sidnei Matias Fagundes, e o presidente da Associação, Diego Lemos. No ano passado, as lideranças das duas entidades chegaram a buscar intermediação do Ministério Público (MP). Foi quando veio a orientação de que o caminho seria modificar a lei municipal, já que os cortes do passe livre não seriam ilegais. Estariam amparados pela legislação.

Ao conversar com o Diário Popular, Al-Alam afirma que o tema será, sim, avaliado pelo governo, mas admite ter dúvida se o eventual retorno da gratuidade às pessoas com deficiência, que estão empregadas, seria justo. "Por que eles teriam que ter a gratuidade se receberão o vale-transporte no trabalho?", questiona.

A gratuidade que assegura também acesso a tratamentos
O tom é de desabafo. A cuidadora Márcia Arizane da Silva, 49, admite: "Fiquei chocada". Ao procurar o Consórcio do Transporte Coletivo para renovação do benefício da filha Francine, de 25 anos, recebeu a informação: a jovem perderia a gratuidade com que contou a vida toda.

E Francine está, sim, empregada para alegria da família. Superou barreiras impostas pela paralisia cerebral e trabalha desde os 18. Há quatro anos está vinculada à mesma loja, no Centro de Pelotas. E, claro, que poderá acessar os vales-transportes para se deslocar ao serviço, mas a gratuidade não a conduzia apenas à jornada de trabalho.

Foi com a possibilidade de circular de graça de ônibus que Francine e a mãe sempre correram atrás de atendimentos especializados, como ocorre até hoje. "Ela ainda faz acompanhamento com psicopedagoga", lembra Márcia. E manifesta-se como porta-voz de muitas outras famílias que peregrinam em busca de consultas e de sessões, como de fisioterapia e de fonoaudiologia aos seus filhos. Tratamentos que ajudam a dar suporte, inclusive, para serem inseridos no mercado de trabalho e ganharem qualidade de vida.

"Mas não quiseram nem ver o CID (Código Internacional de Doenças) nem olhar o meu contracheque", reforça. E assegura: somadas, a renda das duas não ultrapassaria os três salários mínimos citados no artigo 1º da lei municipal. "Só queríamos continuar com o nosso direito".

O que diz a lei 5.212, de janeiro de 2006
* Artigo 1º: Fica assegurada às pessoas portadoras de deficiência permanente física, visual, mental ou deficiência múltipla e carentes economicamente e ao acompanhante, desde que o incapaz não possa deslocar-se sem assistência de terceiro, a concessão do benefício da gratuidade nos serviços de transporte coletivo convencional ou adaptado para o transporte especial com escada mecânica.

Parágrafo único - Considera-se carente, para efeito desta lei, a pessoa cuja renda familiar mensal não ultrapasse três salários mínimos nacionais.

* Artigo 3º: Considera-se pessoa portadora de deficiência permanente aquela que apresente, comprovadamente, perda ou anormalidade grave de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, que gere incapacidade real para o desempenho de atividade remunerada e que, mesmo com novos tratamentos, não tenha recuperação.

Gratuidade cai, mas número de pagantes também
Um dado chama a atenção. Mesmo com a queda nas gratuidades - de pessoas com deficiência e idosos na faixa etária entre 60 e 64 anos -, o total de pagantes também tem despencado em Pelotas; ao contrário do que se imaginaria. É o que revelam números apresentados pelo CTCP.

"Os passageiros estão desaparecendo do sistema", destaca o secretário executivo do Consórcio. E, entre os lugares vagos, crescem questionamentos dos porquês. E fica, acima de tudo, o recado do usuário de que são necessárias melhorias básicas, como o cumprimento dos horários e a revisão de linhas, para que o preço pago pela passagem pese menos no bolso.

Nos últimos meses, para evitar que o sistema sucumba, o advogado tem rodado diferentes cidades do país para trocar informações e identificar modelos que possam servir de solução em Pelotas.

Confira alguns números do sistema de transporte
- Março de 2018
* Cartões de gratuidade ativos
Sênior (para idosos): 24.389
Especial (para pessoas com deficiência): 6.080
* A gratuidade em deslocamentos
Idosos (a partir dos 65 anos): 246.753 viagens
Pessoas com deficiência: 146.462 viagens
* Passageiros pagantes: 2.123.395 viagens

- Março de 2017
* A gratuidade em deslocamentos
Idosos (a partir dos 60 anos): 505.750 viagens
Pessoas com deficiência: 158.839 viagens
* Passageiros pagantes: 2.188.820 viagens

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