Saúde

Preocupação com a vítimas das enchentes também deve passar pela saúde mental

Em Pelotas a Prefeitura disponibiliza atendimento multiprofissional por meio do Departamento de Saúde Digital

Foto: Jô Folha - DP - De acordo com profissionais da saúde mental, tanto acolhidos quanto voluntários precisam de cuidados

Mais de 700 pessoas estão em abrigos em Pelotas, uma situação que se estende há mais de 15 dias. São famílias que deixaram suas casas em meio ao temor e às incertezas provocadas pela elevação das águas da Lagoa do Patos e do Canal São Gonçalo. Além do apoio às vítimas com itens como alimentação, roupas e medicamentos, a saúde mental deve ser também uma preocupação de quem os acolhe para que estresse não se torne um problema mais grave no futuro.

Diante de desastres, situações que acontecem de forma rápida e inesperada e que transformam a vida das pessoas, envolvendo perdas, o sentimento que fica é o de luto, avalia a psicóloga Mariana da Cunha Aires, especialista em Saúde do Adulto e em Cuidados Paliativos. “São várias perdas ao mesmo tempo, além dessa perda temporária de deixar a moradia, está a vida que a pessoa estava acostumada e que se desfaz. Então a gente pensa num processo de luto”, explica a terapeuta.

Esse sentimento abarca diferentes reações que são naturais àquele estado de espírito, como tristeza, angústia, ansiedade, raiva, sensação de perda de controle e desesperança. Porém quando essas situações extremas se prolongam é possível que a vítima desenvolva o transtorno do estresse pós-traumático, uma condição que se revela pela dificuldade das pessoas se recuperarem depois de vivenciar ou testemunhar um acontecimento muito trágico, como é o caso das enchentes. “A médio ou longo prazo muitas pessoas vão acabar desenvolvendo esse transtorno”, fala a psicóloga.

De acordo com a terapeuta, nem sempre a pessoa consegue perceber o quão gravemente a sua saúde mental foi afetada. “É preciso de um pouco mais de autoconhecimento, às vezes são as pessoas ao redor que começam a notar que aquela pessoa teve alguma mudança de comportamento, que ela já não é aquela pessoa como ela era.”

Entre os sintomas do estresse pós-traumático estão a lembrança constante do acontecimento, o reviver de forma repetitiva aquelas memórias angustiantes por conta do trauma, ter muitos pesadelos e ter a sensação que o evento está acontecendo novamente, às vezes tendo flashbacks. Essa condição pode ocasionar prejuízo no cotidiano da pessoa, impedindo que o afetado desenvolva suas tarefas como antes do trauma. “São diversos sintomas, mas que nem sempre vão trazer prejuízo à vida diária, então essas pessoas não vão perceber que necessitam de um acompanhamento psicológico ou psiquiátrico”, comenta a terapeuta.

Voluntários também precisam de cuidado
Mas em situações como a que milhares de gaúchos estão vivenciando, não são somente os desabrigados e desalojados pelas chuvas que podem sofrer prejuízos na sua saúde mental. Os voluntários também podem ficar vulneráveis. “Quando a gente pensa no voluntariado, pensa em uma atividade que traz uma sensação de realização. Mas este é um momento muito triste, em que tu entras em contato com situações muito tristes e para a gente ajudar o outro, a gente precisa estar bem.” 

Mariana lembra que, nestes casos, os voluntários dedicam várias horas do dia, lidando com diferentes realidades e necessidades. “Vai surgir o cansaço físico e mental. Os voluntários para terem condições de acolher eles precisam estar bem e não é o que se tem percebido. Eles precisam de acolhimento, às vezes tem algum que está sem preparo, sem orientação, sem treinamento, principalmente porque dentro do voluntariado existe a compaixão, a pessoa está sentindo piedade pela tragédia do outro, se envolvendo, com o desejo de diminuir a dor do outro”, argumenta. 

Em casos como esses pode acontecer a “fadiga por compaixão”. Este é um processo em que o profissional ou o voluntário, ligado ao atendimento a pessoas em situações trágicas, por exemplo, toma a demanda do outro como sua, o que pode resultar em uma exaustão física ou mental, devido ao constante contato com esse estresse. A melhor maneira de evitar uma situação extrema é também cuidar dos voluntários, oferecendo a eles condições de trabalho e estimulando o autocuidado, como por exemplo, ter boa alimentação e horas dedicadas ao sono.


Mantendo a mente ocupada
A ânsia em poder ajudar estimulou a professora Fabiane de Oliveira Schellin, quando ela se envolveu com o projeto Mãos Solidárias Voluntários, o qual é uma das coordenadoras. O grupo, instalado no Clube Diamantinos, há pouco mais de 15 dias, atua como um provedor de diferentes itens para as famílias desabrigadas em Pelotas. Mas essa não foi a única motivação da assessora Pedagógica de Escolas da 5ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE); a outra foi manter a cabeça ocupada. “Eu, como moradora do Navegantes II, também precisei sair de casa e o meu trabalho foi cessado, de certa forma. Me tornar útil foi o principal motivo que me levou ao voluntariado”, explica.

Fabiane, que tem experiência em auxiliar as escolas em organizações de diferentes atividades, nunca tinha se envolvido em algo tão intenso. “O primeiro momento a ideia era ajudar numa tarde em um abrigo”, relembra. Mas a falta de quem desencadeasse as ações e se responsabilizasse por elas levou a professora, juntamente com outras voluntárias, a tomar a frente da proposta.

Atualmente, Fabiane e mais três pessoas organizam as ações do grupo, o que demanda muita energia do quarteto. “A gente se preocupa em ajudar o máximo de pessoas possível”, conta ao lembrar que nos primeiros nem conseguia dormir, tamanha era a preocupação. A aflição vinha da possibilidade de ter pessoas que precisassem do suporte do grupo nas madrugadas. O que obrigou a alguns dos voluntários a, inicialmente, ficar algumas noites no Diamantinos. Agora, como não há mais tantas emergências, o Mãos Solidárias funciona até as 20h.

Todo esse trabalho em meio a outra grande preocupação: a segurança da casa onde mora com as duas filhas de oito e dez anos. Puxando pela memória, com exceção do período pandêmico, Fabiane não se lembra de ter sido exposta a tanta pressão. “Ter que me retirar da minha casa, me afastar das minhas ações, do meu trabalho e de ter tanta demanda de ajudar pessoas.”

Amparo via digital
Em Pelotas uma parcela da população que está recebendo auxílio e que foi afetada pelos recentes alagamentos pode contar com Serviço de Amparo em Saúde Mental. A prefeitura disponibiliza atendimento multiprofissional por meio do Departamento de Saúde Digital. O serviço pode ser acessado pelo sistema de teleconsulta por meio do contato de WhatsApp (53) 3284-9526.

O serviço poderá ser acionado das 8h às 18h. Na mensagem o interessado deverá informar o nome, número de contato para o WhatsApp e o bairro. O retorno vai ser por meio de contato um de profissional do serviço para acertar a melhor forma da consulta que será, preferencialmente, por videochamada.

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