Preocupação

Relatório do Compam traz recomendações para enfrentar a mudança do clima em Pelotas

Após ano com impactos de chuvas e seca, entidades apontam que desastres naturais serão cada vez mais frequentes

Foto: Jô Folha - DP - Poucos meses após estiagem, ciclone e alagamentos assolaram a cidade

Em um mesmo ano, prefeituras do Rio Grande do Sul assinaram decretos de emergência por causa da estiagem e por cheias. Nas últimas 24 horas, a região central foi inundada, 21 pessoas morreram e milhares estão desalojadas após a passagem de um ciclone extratropical (veja mais na página 19). A Zona Sul do Estado, desta vez, não foi tão atingida, mas ruas de praticamente todos os bairros ficaram alagadas e, consequentemente, esburacadas, como mostrou a reportagem da edição de terça do DP, no bairro Fragata. Para os próximos dias, a Defesa Civil já emitiu alerta de tempo severo e chuvas intensas na Metade Sul e Missões, devido à atuação de áreas de baixa pressão com formação e deslocamento de duas frentes frias sobre o Estado. São as mudanças do clima que preocupam cada vez mais ambientalistas.

Ainda em fase de recuperação do ciclone de 12 de julho, que resultou em uma morte em Rio Grande e centenas de pessoas sem luz por mais de 14 dias, o Conselho Municipal de Meio Ambiente de Pelotas (Compam) lançou um relatório com dados alarmantes e destaca: “é preciso mudanças urgentes para que a população, principalmente a periférica, não responda pelos efeitos do clima, que está cada vez mais frequente.” No documento da Câmara Temática Temporária de Mudanças Climáticas (CTTMC), dez recomendações, baseadas em estudos, foram elaboradas para sensibilizar a sociedade e o Poder Público.

De acordo com um dos integrantes do Conselho, o ambientalista do Centro de Estudos Ambientais (CEA), Antônio Soler, o relatório é resultado de estudos, debates e diálogos realizados no período de maio de 2022 a junho de 2023. Nele são apresentadas proposições para enfrentamento da transição climática em nível local e que pretende ajudar na implantação de política específica no Município, não somente em relação às alterações climáticas, mas também ao marco legal da Política Nacional correspondente (2009). “As mudanças do clima estão aí. Tivemos o ciclone extratropical e daqui para frente os eventos serão cada vez mais constantes e mais extremos. Se o Poder Público e a sociedade não ficarem atentos, aqueles com menor condição social, ou seja, que moram nas periferias, serão os mais atingidos.” Uma das críticas do ambientalista foi a ausência de representantes do Executivo de Pelotas na elaboração do relatório.

Análise
O mestre em planejamento Urbano, doutor em ciências, arquiteto, urbanista e professor na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFPel, Maurício Couto Polidori, faz duras críticas ao papel dos governos, nas três esferas em relação ao uso das áreas verdes das cidades, fundamentais para amenizar os efeitos do clima. Para ele, há décadas que o modo como se faz a cidade e como se produz no campo, tem efeitos problemáticos para a vida humana e não humana do planeta. “Talvez sejamos uma novidade passageira por este planeta, pois com a substituição cabal do ambiente natural por áreas urbanizadas, traz consequências graves. Temos há bastante tempo a convicção que é possível e necessário desenvolver a cidade preservando junto as áreas naturais”, considerou Polidori, ao citar dois motivos. Primeiro: não há necessidade de urbanizar tudo. “Sempre sobram áreas e essas precisam ser escolhidas e ser as certas”.

O segundo motivo considerado, e não menos importante, é que a cidade não funciona bem sem essas áreas. “O ambiente natural presta diversos serviços ecossistêmicos. Nós temos ali o controle de temperatura, o apaziguamento das águas de chuvas, o controle da parte da própria paisagem enquanto visualidade urbana”, explicou. O desequilíbrio, conforme o professor, está na urbanização desenfreada que leva o lucro a uma pequena parcela da sociedade. “É preciso que as prefeituras, os estados, o governo federal e os cidadãos se preocupem com o conjunto das pessoas.”

Mapa
Pelo relatório do Compam, os municípios banhados pela Laguna dos Patos, como Pelotas, emitem gases do efeito estufa (GEE) mais do que absorve e, no entanto, não conta com medidas e, menos ainda, com políticas locais para contribuir, no tamanho de sua responsabilidade e de sua capacidade, no combate às alterações no clima. A reportagem questionou a Prefeitura sobre o relatório e quais as medidas estão em andamento. O secretário de Qualidade Ambiental, Eduardo Schaefer, afirma que trata-se de um documento extraoficial que ainda não foi apresentado oficialmente ao Conselho. Quando oficializado, a SQA poderá manifestar-se formalmente em relação ao relatório.

Confira as dez recomendações da CTTMC
1) Declarar a emergência climática em Pelotas, pelos meios legais e democráticos adequados;
2) Fortalecer a Democracia Ambiental, com acesso garantido à informação ambiental adequada;
3) É imprescindível que o órgão máximo da política ambiental de Pelotas, o Compam, avalie seu desempenho com vistas a dar efetividade à promoção da proteção ambiental. Para isso, há necessidade de rever as linhas de ação e o padrão de gestão. A crise climática requer soluções pela via da participação social e o coletivo instituído e precisa proporcionar real abertura para o diálogo construtivo;
4) Para o enfrentamento da problemática do clima, o órgão executivo precisa definir e implantar política municipal para o clima. É urgente elaborar, planejar e executar planos e ações para adaptação, resiliência e mitigação estabelecendo objetivos, estratégias, indicadores e um sistema de monitoramento transparente e participativo;
5) O planejamento da atenção às mudanças climáticas precisa ter, também, caráter integrado e ser protagonizado pelas Secretarias Municipais, no sentido de uma atuação convergente, que reúna e harmonize ações por meio das diversas políticas públicas. Essa ação de governo, evidentemente, alcançará eficácia se conseguir agregar a comunidade em torno dos mesmos objetivos;
6) Os efeitos da crise climática somente serão contidos, ou serão menos perversos, se for pactuado o compromisso com a vida em detrimento da continuidade do crescimento econômico sem limites. Isso significa dizer que o modelo de desenvolvimento local deve ser urgentemente repensado e alterado. Não é mais possível, tampouco eticamente aceitável, que prossigam as práticas desenvolvimentistas e insustentáveis.
7) A atuação eficaz na transição climática somente encontrará a sua base em decisões políticas afinadas às medidas de enfrentamento e na Educação Ambiental (EA). A ideia de transitar da realidade atual para a próxima com menores prejuízos, exige, então, um efetivo Programa de EA no Município.
8) Destinar recursos públicos para aumento da resiliência, mitigação e adaptação climática, seja no orçamento municipal, seja em fundos adequados como Fundo Municipal de Proteção e Recuperação Ambiental (FMAM);
9) Considerar, na formulação da política local do clima, necessariamente, os seguintes pontos:
- diminuição do uso de combustíveis fósseis, uma vez que se trata da principal causa da crise climática, estimulando fontes alternativas de energia com eficiência;
- descarbonização das atividades em geral, especialmente as industriais e construção civil, privilegiando soluções naturais (sequestrar e armazenar carbono em árvores e no solo);
- diminuição do consumo de carne;
- combate às causas da degradação dos biomas e recuperara seus respectivos ecossistemas, como banhados e matas nativas;
- redução das emissões no setor de transportes, a principal fonte de queima de combustíveis fósseis no Brasil.
10) Observando-se a necessidade de assegurar a continuidade dos trabalhos da CTTMC, propõe-se que essa subestrutura se mantenha no Compam, em caráter permanente.

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