Carta Magna

Três décadas da Constituição Cidadã

Lei maior do Brasil e a mais duradoura do período republicano faz aniversário nesta sexta-feira (5), tutelando nos mais diversos âmbitos da federação

Paulo Rossi -

"Declaro promulgada. O documento da liberdade, da dignidade, da democracia, da justiça social do Brasil. Que Deus nos ajude para que isso se cumpra". Com essas palavras, há exatos 30 anos, em 5 de outubro de 1988, o presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães, promulgava a atual Constituição da República Federativa do Brasil. O documento passou a reger o país após o processo de ruptura com os 21 anos de ditadura militar. Para tal, precisou enfrentar o período de reestruturação e, a partir de um consenso entre forças democráticas e militares, instalou a quinta Assembleia Nacional Constituinte do Brasil para redigi-la.

Antes disso, porém, o presidente da época, José Sarney, convocou uma Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, em setembro de 1986, para iniciar seus trabalhos. O grupo composto por juristas e estudiosos de diversas áreas foi presidido pelo jurista Afonso Arinos de Melo Franco e ficou conhecido como Comissão Afonso Arinos. Entre os 50 integrantes do colegiado estava a jurista pelotense Rosah Russomano.

Em 1987 foi instalada a Assembleia Nacional Constituinte, composta por 559 parlamentares, sendo eles 72 senadores e 487 deputados federais. "Houve discussões sobre os mais diversos assuntos", lembra Marcelo Nunes Apolinário, professor da graduação e mestrado da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Entre outras disciplinas, leciona Direito Constitucional. Ele destaca a participação efetiva e consistente da sociedade civil e entidades para a apresentação de propostas, tendo chegado aproximadamente 80 mil sugestões, provenientes dos mais diversos núcleos sociais. Apolinário atribui isso também à maciça divulgação pelos veículos de imprensa, fazendo chegar ao conhecimento do público e estimulando esta cooperação.

Além das propostas da sociedade civil, os estudos da Comissão Afonso Arinos serviram como uma espécie de base à Assembleia Nacional Constituinte. Porém, interesses políticos também prevaleceram. Ânimos se exaltaram e debates acalorados marcaram o período. Rupturas partidárias surgiram a partir das discussões, gerando ramificações e novos partidos. O professor ressalta que, no período, prevaleceram os interesses do chamado centrão. Além disso, houve descontentamento de grupos que, inconformados, consideraram a Constituição insuficiente por não inserir temas como alguns direitos trabalhistas ou a reforma agrária.

Principais características
Para Apolinário, a Constituição Federal de 1988 proporcionou grandes avanços na estrutura democrática, trazendo um catálogo extenso de direitos e garantias individuais e sociais. Ao tutelar a livre manifestação e irrestrita e ampla liberdade de opinião e imprensa, rompeu totalmente com o período ditatorial que a precedeu.

Outros pontos destacados
- Estímulo da participação popular
- Possibilidade do eleitorado propor projetos de lei através de ações populares
- Proibição de busca e apreensão sem ordem judicial
- A criação do Sistema Único de Saúde (SUS), dando acesso à saúde para brasileiros e estrangeiros
- Promoção da educação e cultura como dever do Estado
- Acesso à informação
- Tutelar sobre os direitos do consumidor
- Destinar um capítulo à defesa e preservação da natureza
- Entre seus valores essenciais, estarem a dignidade da pessoa humana, a justiça social e a igualdade
- Promover a igualdade entre homem e mulher nas relações conjugais
- Equiparação de gênero no mercado de trabalho
- Inserção das pessoas com deficiência física no mercado de trabalho e instituições de ensino
- Políticas públicas de resgate histórico e inclusão social de negros, indígenas e quilombolas

Decisões do Supremo e as PECs
O Supremo Tribunal Federal (STF) vem agindo como instituição de tutela dos direitos fundamentais. O professor aponta que em decisões polêmicas ligadas à Constituição, julgou constitucional a união estável entre pessoas do mesmo sexo, autorizou o aborto de anencéfalos, julgou inconstitucional o financiamento empresarial de campanhas, relativizou a presunção de inocência e enfraqueceu o foro privilegiado. O lobby jurídico, porém, faz o órgão por vezes se exceder, no seu ponto de vista.

Já as Emendas Constitucionais, que mudam partes do texto, já chegam a quase uma centena em três décadas. Para o professor, elas demonstram a estabilidade da Constituição. "Por mais que a sociedade evolua, as demandas aumentem e enfrentemos momentos difíceis, mantivemos o Status Quo", aponta. Em sua breve vida, o texto já vivenciou dois impeachments de presidentes legitimamente eleitos, escândalos como o Mensalão, Operação Lava Jato, CPIs e mesmo assim continuou firme. "Por mais que as estruturas republicanas e democráticas tenham sido abaladas, houve estabilidade", garante. Apolinário indica o poder judiciário e o Ministério Público como as instituições que participam e garantem a solidez do atual sistema brasileiro.

Problemas e perspectivas
"É uma Constituição progressista, moderna, com perspectiva formal de primeiro mundo. Nem os países mais desenvolvidos possuem uma Constituição tão extensa e completa quanto a nossa", respalda Apolinário. Ela regulamenta tudo, desde a vida política e social, até a economia. Porém, em sua atuação prática, apresenta algumas falhas pontuais.

Uma de suas características é ter sido elaborada visando um país com sistema parlamentarista. Porém, no apagar das luzes, foi optado o modelo do presidencialismo - corroborado em plebiscito realizado em 1993, quando 69,20% da população optou por este formato. Na percepção do docente, isso estimula o jogo de poder em algumas situações, deixando o chefe do Executivo nas mãos do legislativo. "O presidente dificilmente aprova uma política pública sem o aval do Congresso", salienta.

Entre as questões a serem repensadas, o professor cita o Pacto Federativo. Por a maior parte dos recursos irem à união, este "problema do desenho" faz os municípios e estados ficarem com uma parcela ínfima. "E é nos estados e municípios que a vida acontece", analisa. O sistema tributário é considerado regressivo por ele, ao facilitar e contribuir para a concentração de renda, ao invés da distribuição. A alíquota igual de impostos sobre consumo, por exemplo, não deixa de ser um problema. "Acho que uma reforma tributária é essencial", reconhece. Os encargos altos, em sua percepção, prejudicam a população de baixa renda e limitam o desenvolvimento de pequenos e médios empresários.

Outro ponto é uma possível reforma administrativa. Ele considera o Estado caro, lento e burocrático, além de vir se demonstrando corrupto. "Não significa reduzir ou eliminar políticas sociais, elas não saem tão caras, mas sim gastos exacerbados na criação ostensiva de cargos, secretarias e ministérios para alimentar partidos políticos", conclui. Uma possível reforma da previdência, considerando o envelhecimento populacional e também uma reforma política são outras ressalvas feitas por Apolinário, que considera estarmos ainda longe de alcançar patamares aceitáveis de justiça social e dignidade. "É possível fazer ajustes sem alterar o Status Quo", garante.

A Estrutura da Constituição Federal
Título I - Princípios Fundamentais
Título II - Direitos e Garantias Fundamentais
Título III - Organização do Estado
Título IV - Organização dos Poderes
Título V - Defesa do Estado e das Instituições
Título VI - Tributação e Orçamento
Título VII - Ordem Econômica e Financeira
Título VIII - Ordem Social
Título IX - Disposições Gerais

As outras Constituições Federais do Brasil
A atual Constituição, embora jovem, é a mais duradoura do período republicano, perdendo apenas para a Imperial. O professor acredita que ela perdura por ser a que trouxe maior estabilidade institucional, política e democrática.

1824 - A primeira Constituição data do período imperial, implementada por Dom Pedro I
1891 - Primeira Constituição republicana
1934 - Segunda República, proposta por Getúlio Vargas e que trouxe o direito de voto às mulheres
1937 - A constituição do Estado Novo.
1946 - Retomou a linha democrática de 1934
1967 - Instauração do Regime Militar. Alguns consideram a emenda número um de 1969 uma nova constituição
1988 - Atual Constituição, conhecida também como Constituição Cidadã

 

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