Por justiça
Um ano de espera por justiça
Inquérito da explosão em depósito de gás que vitimou Aloir Neutzling indiciou o gerente geral por homicídio culposo
Carlos Queiroz -
Por: Aline Klug e Cíntia Piegas
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Um ano após a explosão em um depósito de gás localizado na avenida Fernando Osório, bairro Três Vendas, a família de Aloir da Rosa Neutzling, de 24 anos, única vítima fatal, ainda aguarda por justiça. Finalizado em outubro deste ano, o inquérito da Polícia Civil indiciou o gerente geral da unidade da Liquigás por homicídio culposo após a perícia apontar irregularidades em uma plataforma. Agora, o caso está sob responsabilidade do Ministério Público.
Responsável pela defesa da família de Aloir e de outros ex-funcionários, o advogado Luciano Casser afirmou à reportagem que, após um ano do incidente, ocorrido no dia 17 de novembro de 2020, o inquérito policial ainda não havia sido finalizado. O profissional garantiu que o escritório estaria entrando com uma denúncia contra a 2ª Delegacia de Polícia de Pelotas.
Em contrapartida, a delegada Walquíria Meder, que acompanhou o caso, afirma que o inquérito teve o relatório concluído no final do mês de outubro, o qual indiciou o gerente geral da unidade, localizada na Zona Norte da cidade, por homicídio culposo - quando não há intenção de matar. A causa, de acordo com a perícia, é que a explosão ocorreu a partir da instalação de uma escada, com uso de solda, em uma plataforma sob a qual havia um tanque desativado, cuja tubulação ainda possuía gás acumulado.
"O procedimento foi realizado de maneira totalmente irregular, pois dependeria de avaliação de risco, autorização e acompanhamento de técnicos que não estavam no local no momento", explica a delegada. Durante a construção do inquérito, diversas testemunhas foram ouvidas, sendo três dos quatro funcionários da manutenção que executaram o serviço. Em depoimento, os servidores confirmaram que a ordem partiu do gerente geral, que negou o fato. Já o quarto funcionário que participou da execução está morando em outro Estado. A ele foi expedida uma carta precatória para colher o depoimento, que posteriormente será remetido ao Judiciário.
Um ano com a dor da perda
Para a família, os 381 dias têm passado lentamente e aquela terça-feira não sairá da memória. O sentimento ainda é de indignação e o único pedido é por justiça. Com os olhos marejados, Jussara Neutzling, mãe de Aloir, conta que as noites sem dormir já se tornaram rotina. Ela, assim como o pai da vítima, Ledemar Neutzling, tem passado por acompanhamento psiquiátrico e se unido aos outros filhos e a afazeres buscando amenizar a dor da perda precoce. "Não está certo, não é a ordem da vida. Meu filho estava só trabalhando, sendo honesto. Ninguém acorda cedo para morrer no trabalho. Ele não merecia isso", desabafa a mãe.
Para os familiares, o que resta são memórias de um Aloir companheiro, apegado à família e com planos de um futuro melhor junto com a esposa, Amanda. Jussara conta que aconselhava o filho a seguir a profissão em que era formado, a Educação Física. "Eu sempre dizia: 'meu filho, tu é estudado, sai dessa Liquigás'", relembra. Meses antes do incidente, o casal havia adquirido um terreno para a construção de uma farmácia, realização do sonho de Amanda, que no próximo ano se forma em Bioquímica. "Ele me dizia que não tinha pressa, porque ela já iria se formar. Era a realização deles. Mas não deu tempo", conta o pai.
Ao completar o primeiro ano do incidente, a esposa e os pais escreveram uma carta, como forma de manter a memória viva e a indignação com o caso acesa. "Como escrever sobre a dor que é perder um filho? Como falar sobre uma empresa que prefere negligenciar a vida de seus profissionais? Quanto vale a vida de alguém que amamos? Quanto valeu a vida do meu filho? Eu não sei como responder essas perguntas, mas o que eu sei é que no dia 17 de novembro meu filho foi trabalhar e voltou num caixão", diz um trecho.
À empresa restam palavras duras. "A Liquigás nem ao menos entrou em contato comigo ou com família, eles continuam sem se importar com os danos que causaram aos meus filhos, com os gastos exuberantes que a minha família tem com psicólogo e remédios na tentativa frustrada de diminuir um pouco a dor".
Contraponto
Assim como na última reportagem divulgada pelo Diário Popular, a empresa Copagaz - que adquiriu a Liquigás no final do ano passado - se manifestou sobre o assunto através de nota enviada pela assessoria de imprensa, contendo as mesmas palavras. "A empresa está trabalhando junto com todas as autoridades públicas para esclarecer as causas do lamentável episódio e determinar a responsabilidade dos envolvidos, reafirmando seu compromisso com a segurança".
Relembre
No dia 17 de novembro do ano passado, uma forte explosão na distribuidora de gás deixou um ferido e uma vítima fatal, além de danificar casas nas proximidades. No dia 23 de dezembro, um laudo do Posto de Criminalística de Pelotas concluiu que uma evasão de gás ocorrida através de dutos localizados sob uma plataforma de concreto armado confinada gerou uma nuvem de gás que funcionou como uma espécie de "botijão de gás natural", causando o acidente. Duas tubulações, que ficavam abaixo da estação de trabalho da parte mais abalada, apresentavam perda de gás. Foi constatado também que a estrutura que explodiu não detinha alvará para construção.
Já em abril de 2021, o processo de apuração acidentário realizado pelo Instituto Geral de Perícias (IGP) informou que a empresa não cumpria elementos básicos da NR-33. "Tal espaço confinado não possuía cadastro algum e muito menos qualquer avaliação de risco, onde se esperaria existir, por exemplo, apontamento de risco de vazamento de GLP [gás liquefeito de petróleo] no interior da plataforma e necessidade de haver sensor de detecção e devidos meios de ventilação para permitir que o GLP, que eventualmente vazasse, escapasse para a atmosfera sem risco de gerar atmosfera explosiva no interior da plataforma. Tal risco efetivamente se concretizou e causou explosão com quatro vítimas, uma delas fatal, e danos materiais severos ao estabelecimento e a imóveis vizinhos", diz trecho do relatório.
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