Por Lucas Kurz
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Imagine abrir as portas de sua casa para motoqueiros estrangeiros de passagem por Pelotas. O que, para muitos, pode parecer impensável, para o empresário do Fragata Eduardo Cavalheiro Gonçalves, conhecido como Dudu, se tornou uma missão de vida. Um realizador de sonhos, como ele mesmo define. Nas paredes da garagem de casa, as diversas insígnias, adesivos e mensagens deixam um pouco da lembrança dos 135 viajantes de 26 países diferentes que passaram por ali nos últimos seis anos, em um espaço para descanso com cama, alimentação, ar condicionado e muito carinho e história para contar.

Filho de um motociclista que costumava viajar bastante, Dudu, hoje com 53 anos, conta que ajudou a fundar o motogrupo Tchê Pelotas, o qual preside hoje, além de participar do Moto Clube Bodes do Asfalto. É membro, também, da Rede Moto Ajuda Internacional (Rede MAI), o que abriu as portas para os estrangeiros. A preocupação que poderia atingir muitos, inclusive a esposa dele, Cláudia, é afastada pelo formato que a rede privada trabalha: só entram pessoas com indicação, com ficha pessoal, criminal, do veículo, histórico de vacinação, de viagens, avaliação de comportamento em outras hospedagens e diversos outros dados que trazem segurança.

O anfitrião tem traços que logo saltam aos olhos. A hospitalidade, o sorriso, o hábito de chamar de irmão todos os estradeiros, além das histórias. São muitas. Como a vez em que emocionou uma colombiana que, após meses na estrada, comentou a falta que sentia da comida tradicional da mãe. Ele pesquisou a receita, fez e arrancou surpresa e lágrimas da moça. Também tem Maurizio, o equatoriano que passou oito meses na sua casa quando a pandemia fez as fronteiras fecharem. O rapaz foi embora de avião, deixou sua moto em Pelotas e pretende voltar. Até lá, Dudu e a família cuidam do veículo. Há ainda a história do homem que, com o diagnóstico de câncer terminal, resolveu passar o final da vida viajando.

"Só quem vive sabe. Todos estamos de passagem por aqui", diz. Mostrando cartas, adesivos e insígnias, além de diversas homenagens de grupos, ele tenta lembrar de todos os estrangeiros que já conheceu. Difícil. Gente da Coreia do Sul, Austrália, quase todos países da América Latina… Lista que será ampliada dentro de alguns dias, quando um indiano que viaja de tuk-tuk deve aportar. "Onde um motociclista tem família? Em qualquer lugar do mundo" afirma, explicando que o símbolo da caveira, utilizado por muitos grupos de motociclistas, não representa a morte, mas sim a lembrança de que na essência todos são iguais.

Mas não é só de hospitalidade que Dudu vive: ele próprio gosta da estrada. Já não lembra quantas centenas de milhares de quilômetros percorreu. Foram 18 estados do Brasil, incluindo todas as grandes serras, além de alguns países da região. O sonho é ir para Ushuaia, na Patagônia, um dos grandes objetivos de todo motoqueiro.

Hermanitos aprovam o local

Na tarde em que a reportagem esteve na casa de Dudu, quatro colombianos eram hospedados. Apesar da nacionalidade em comum,as duas duplas não se conheciam. Foi um acaso estarem no mesmo lugar, mas logo os hermanitos, como passaram a se chamar, ficaram próximos, contando histórias da terra natal e de viagens.

Os irmãos Wilman e Alex Contreras estão na estrada desde 2 de outubro. O Brasil é o sexto de uma viagem por oito países. Já estiveram no Equador, Peru, Chile, Argentina, Uruguai, aqui e estão indo ao Paraguai, depois Bolívia e retornarão ao Peru e México antes de terminar na Colômbia. Lá, encontraram o casal Ivan Gallego e Sandra Grisales. Eles estão há ainda mais tempo viajando: desde 28 de agosto, tendo passado por seis outros países anteriormente e sem um objetivo claro de quando irão terminar o roteiro pela América do Sul.

Para Ivan, publicitário de 51 anos, o tipo de refúgio criado por Dudu permite encontrar acolhimento na estrada. Segundo ele, a vida de viajante traz um intercâmbio de cultura. Ele diz se encantar com as semelhanças e diferenças na América Latina. Já Sandra, 49, que é professora de salsa e farmacêutica, diz que os locais de passagem permitem ter segurança, em uma vida com muitos momentos de acampamentos em barracas na beira de estrada, banhos em postos e refeições rápidas.

Sobre as viagens, Ivan diz que, ao contrário do que comumente se pensa, não é preciso ganhar na loteria. Basta planejar. A companheira relembra que o casal botou um marco de data para iniciar o roteiro e passou a guardar dinheiro, deixando de lado outros gastos superficiais. No entanto, mesmo com o esforço, a meta financeira não foi alcançada. Ainda assim, o casal resolveu sair para a estrada, para não perder o pique. E não se arrependeu. "É um sonho. E pessoas como o Dudu alimentam esse sonho. Agora é um sonho realizado."

Na luta para viver, um objetivo
A história dos irmãos Contreras lembra um filme. Hoje aos 33, Alex conta que seis anos atrás viu a vida passar diante dos olhos quando esteve hospitalizado com uma doença que o fez perder um rim. Ele, que já havia feito viagens de moto pela Colômbia, passou alguns meses internado e um dos refúgios era assistir vídeos do canal de viagens de um conhecido. Ali, prometeu que, se tivesse nova chance, iria para a estrada. Agora realiza o sonho ao lado do irmão mais novo, Wilman, de 31.

"Em cada lugar, há muitas maravilhas", resume Alex. Para o motociclista, a grande surpresa do passeio pela América do Sul é ver que brasileiros e argentinos são legais, quando se tira a rivalidade do futebol da equação. E as pessoas que encontram são a melhor coisa, seguido das paisagens em um roteiro de belezas e histórias que, nas palavras dele, é "patrocinado por Diós."

Saiba mais sobre os viajantes

Canal de Dudu no YouTube: bit.ly/mototche

Canal do casal Sandra e Ivan no YouTube: bit.ly/viajaresvivirfelizYT

Canal do casal Sandra e Ivan no Instagram: @viajaresvivirfeliz2022

Irmãos Contreras no Instagram: @alexcontreras2727 e @wilman.contreras.1