Exemplo

Uma ajuda pelotense para Palestina e Israel

Pela segunda vez, Carina Neves deixou Pelotas para desenvolver trabalho voluntário em Mak-Hul, vila do Vale do Jordão em permanente conflito pela disputa territorial

Divulgação -

Eram 16h do dia 11 no Vale do rio Jordão, Cisjordânia, quando Carina Neves, 30, fez uma ligação de vídeo para conversar com a reportagem do Diário Popular. A comunicação, devido à distância, só podia ocorrer via internet. Era a primeira vez que a estudante de licenciatura em Artes Visuais pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel) tentava detalhar sua experiência como voluntária de uma missão humanitária em uma região que há milênios protagoniza um conflito territorial, político e religioso.

Carina está no Oriente Médio há um mês e meio pela segunda vez. A viagem foi feita através do Ecumenical Accompaniment Programme in Palestine and Israel (Programa de Acompanhamento Ecumênico na Palestina e em Israel), ligado ao Conselho Mundial de Igrejas. A primeira foi em 2014, ano em que foi voluntária por três meses. A estudante foi inspirada pelo livro Notas sobre Gaza, do jornalista e artista de quadrinhos Joe Sacco.

A obra, que fala sobre o conflito entre Israel e Palestina, chocou Carina a ponto de motivá-la a ver de perto as nuanças da relação entre palestinos e israelenses. Antes da viagem os voluntários participam de uma seleção, quando os detalhes dos problemas são expostos. "Me choquei e não conseguir não vir", disse. Humanitários da América do Sul, da Europa e da África também integram o programa. A missão faz parte de um chamado de igrejas ao redor do mundo, mas pessoas que não se identificam com alguma religião também são aceitas. "O importante é acreditar no princípio de não violência e nos direitos humanitários", ressalta.

A voluntária mora em uma vila de beduínos chamada Mak-Hul, localizada no deserto do Vale do rio Jordão. O Vale compreende uma faixa de 120 quilômetros de extensão que ladeia o rio, ligando o Mar da Galileia ao Mar Morto. A Palestina tem lugar jurídico incerto - é independente, mas não reconhecida como Estado perante a comunidade internacional. No passado a região foi rota de comércio e nascimento da civilização. Hoje, abriga uma questão política sensível, cujas respostas não são tão óbvias.


O dia a dia

Os treinos militares são apenas uma faceta do conflito e ocorrem diariamente. "São áreas em que ninguém pode entrar e que recebem ordem de evacuação", detalha, ordens que podem ser temporárias ou fixas. Tanques de guerra passando pelas vilas e práticas de tiro com fuzis são parte do dia a dia de quem vive por lá. "Essa terra tem dono. As pessoas são extremamente fortes. Eles convivem com tanques de guerra em seus pátios", conta.

O processo de assentamento israelense, de acordo com Carina, funciona da seguinte forma: o exército israelense entra nas vilas, avisa que as casas serão demolidas e as famílias são obrigadas a sair. O cerceamento dos direitos de palestinos ocorre há anos, mas ficou mais evidente a partir de 1949, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) iniciou a partilha da região. Nessa divisão, mais da metade do território ficou sob posse de Israel e o restante foi destinado aos palestinos. Com o passar do tempo e disputas como a Guerra dos Seis Dias (1967) e a Guerra do Yom Kippur (1973), os acordos foram desrespeitados e a zona virou alvo constante de atos terroristas. A demolição de casas e a destruição de vilas comprimem cada vez mais os habitantes palestinos a comunidades mais concentradas e menores.

"Cada área tem uma dificuldade. Onde eu estou é o acesso à água e a demolição de casas", explica, descrevendo como o Tratado de Oslo, em 1993, separou as áreas da Cisjordânia entre A, B e C. Na área A o total controle civil e de segurança é da Autoridade Nacional Palestina; na B o controle civil é da Palestina e o militar de Israel; Na C, onde Mak-Hul fica e Carina mora, o controle total é israelense. "É onde há mais conflitos. Área C é a que mais recebe ordem de demolição", diz.

Em 2014 ela presenciou um desses episódios, quando o exército israelense destruiu 12 construções de Mak-Hul. Quando os voluntários internacionais foram chamados e chegaram no local, Carina se deparou com centenas de soldados para uma vila de apenas 30 habitantes. "Era noite, só escutávamos o barulho das coisas caindo. Pessoas gritando, desesperadas. Não podíamos nos aproximar", descreve. O grupo esperou a madrugada inteira para entrar em contato com as famílias. "No passado eram 300 moradores. Hoje são apenas cinco famílias - 40 pessoas", diz. "A Cruz Vermelha tentou doar tendas uma vez, mas foram todas confiscadas pelo exército antes mesmo de chegarem. Desde então eles vivem em um barraco coberto com lona, telha servindo como parede". Essas famílias viviam há 200 anos no mesmo lugar.

"Os soldados invadem casas, praticam tiro. Pra eles é normal. É jato dando rasante. E acontecem coisas bem piores. Os soldados chegam com alguma acusação. Dizem que a família tem arma, reviram a casa toda. Prendem as pessoas no meio da madrugada. Não consigo imaginar estar na minha casa, em Pelotas, e um soldado me dizer que eu tenho que sair dela", compara. A voluntária relata que uma cena comum é ver pessoas andando com fuzil nas costas. "As armas são comuns para eles. Na parte israelense de Jerusalém tu vê jovens em bares com fuzis nas costas. É como tu estar andando no centro de Pelotas, fazendo compras e ver uma pessoa com um fuzil nas costas. Imagina isso."

Os palestinos dessas vilas são em sua maioria fazendeiros que sobrevivem com um pouco do que conseguem tirar da terra e de animais. Para sobreviver precisam plantar, mas não têm acesso à água. O assentamento confiscou zonas ricas em recursos naturais, sobretudo hídricos, fazendo com que os beduínos não tenham água para manter as plantações. "Em um mês eles gastam R$ 900,00 em água. Se tu ver área verde é ocupação ilegal israelense, que é onde a água é liberada", diz.

Na sua rotina de atuação, Carina conhece as comunidades, mostra o trabalho feito pela ONG e informa as famílias que está lá para dar apoio. Telefones para contato, por exemplo, são oferecidos para casos de emergência. Toda a informação adquirida serve para a elaboração de relatórios, enviados para a ONU, a Unicef e a Cruz Vermelha, por exemplo, para que as organizações possam agir. "Se tem alguma ordem de demolição a gente vai lá e conversa com o exército pra saber o motivo. Quando tem essa presença internacional as coisas ficam mais tranquilas", afirma. O objetivo, diz, é conhecer a realidade da região e mostrá-la para os outros países. Quando voltar, pretende escrever artigos a partir da experiência que teve.

A caminho de uma reconciliação?
A Faixa de Gaza, território palestino que divide Egito e Israel, controlado pelo grupo Hamas, terá o controle administrativo entregue para o grupo Fatah. A decisão faz parte de um acordo de reconciliação assinado na quinta-feira entre as duas mais poderosas facções da Palestina. Em 2007, as forças do Hamas tiraram a Faixa de Gaza de Fatah em uma guerra entre as facções, deixando centenas de mortos. A expectativa é de que o pacto permita a movimentação de pessoas e mercadorias entre a fronteira com Egito e Israel.

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