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Juventude em transe. Juventude?

Há exatos 20 anos, os psicanalistas Roberto Graña e Angela Piva organizaram o livro A atualidade da Psicanálise de adolescentes - Formas do mal-estar na juventude contemporânea, Casa do Psicólogo, S. Paulo, 2004, 300 páginas de autores brasileiros e internacionais. O compêndio se mantém atual. 

Desgraçadamente, requer acréscimos. Dentre os 28 ensaios ali contidos, a tônica aponta às transformações corporais-mentais-sociais-espirituais implicadas na passagem da infância (do latim infans, desprovido de fala) à adolescência (do latim adolescere, aquele que cresce).

‘A adolescência atual, vista sob a óptica histórico-psicanalítica, revela os lutos do corpo infantil, das imagos de si e dos pais da infância, pelas quais o jovem precisa passar para alcançar a idade adulta. Processo que se passa num mundo globalizado, planetário e fragmentado, de transformações tecnológicas rápidas, geradoras de ansiedades e incertezas na organização do futuro de jovens, que, plenos de esperanças e de coragem, se conflitam com medos e frustrações em relação a questões tão íntimas como, por exemplo, a definição dos vários vértices que compõem a identidade do adolescente’, assinala, p.e., Leviski, pág.13.

Mas, o mundo atual que aguarda (e que ajudamos a construir) a chegada do jovem se tornou bem mais complexo e hostil e exigente, em níveis inimagináveis há bem pouco tempo. Não surpreende que adolescentes sejam/estejam atormentados. Ademais do tsunami de hormônios, do crescimento corporal avassalador (‘meu corpo / não é meu corpo’, alertava já Drummond), das cobranças de ‘não ser mais criança’, feitas por todos e por si próprio, do eu assoberbado (esse eu, ‘um pobre diabo’, percebia Freud), adolescente, tem de encarar a fúria climática de cada dia, o canto da sereia que as modernas drogas oferecem como fuga à realidade implacável, a hipercomunicação que as redes proporcionam e se transformam em tortura e vício, as múltiplas modalidades de relacionamento, as variações de gênero, enfim, um universo escancarado e desafiador a quem se pretende chegar a adulto. Se, por um lado, nunca tivemos tantos recursos disponíveis, nas ciências, na saúde, na tecnologia, na cultura, também os desafios são redobrados. Para nomear apenas um: a glória e o tormento da Inteligência Artificial. Recurso inestimável, desafio quase sinistro. Tudo isto a trazer luz e, paradoxalmente, perplexidade. Não espanta que o adolescente de hoje se sinta em agudo transe.

Convenhamos. Não é ‘privilégio’ restrito à adolescência. Da infância até a velhice, e a morte, tudo se transformou e, a cada dia, o mundo se nos oferece mudando a cada hora. Se há pletora de novos conhecimentos, em igual medida, a exigência de novos aprendizados, treinamentos, reflexões. Definitivamente aprendizes. Estudar para agir. Vírus na Inteligência Artificial: o risco anunciado.

Em transe, perplexos. Não só os adolescentes.

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