Opinião
A Rosa
Por Rubens Amador
Jornalista
Durante a última grande guerra era muito comum correspondência epistolar entre moças que ficavam na pátria e soldados que lutavam no "front". Qualquer coisa como esses clubes de epistolografia que certas revistas mantêm. Os correspondentes não se conheciam. Era uma forma de levar algo ameno, lúdico, e de estabelecer uma ponte entre a dura realidade da frente de combate e a placidez da vida que o soldado deixara para traz. Dessas correspondências muitos casos de amor epistolar apenas se esfumaram, enquanto outros se realizaram depois de meses e até de anos.
Certo experiente e antigo militar, capitão da Armada Britânica, servindo na Itália, e posteriormente na Alemanha, mantinha um já longo relacionamento epistolar com uma moça inglesa, que ficara na pátria. De início combinaram que jamais trocariam fotos enquanto durasse o conflito. Ambos estavam interessados apenas nos espíritos mútuos. Tudo correria por conta da imaginação deles. E estabeleceram um pacto: se aquela guerra terrível terminasse bem para ambos, então marcariam um encontro para finalmente se conhecerem. Quatro anos durou aquela correspondência que se tornara extremamente amorosa. Balsâmica, para o provecto militar que ansiava pela chegada do correio, a cada distribuição de correspondência no "front".
A moça, de muito preparo intelectual, culta, escrevia alentadoras e encorajadoras missivas cheias de afeto e carinho que muito ajudavam ao oficial enfrentar as duras adversidades a que estava submetido. Deu-se o inevitável: ambos se apaixonaram, um pelo espírito do outro! "Perdidamente!", diziam, na troca de afagos epistolares. Finalmente aquele dia glorioso para a história da humanidade chegou em 8 de maio de 1945! A guerra terminara. Ronald, o nosso herói, agora promovido, denotando pronunciadas cãs, recebe, dias depois, ainda a bordo, uma carta de sua correspondente, em quem sempre vivia pensando, principalmente nos últimos dias. Vinha de Trícia - de Patrícia- e que lhe recordava aquele encontro combinado antes do fim da guerra. Ela o estaria esperando em 16 de outubro de 1945, no aeroporto, quando seguraria na mão direita uma rosa vermelha.
Se, por ventura ele, do meio da multidão sentisse que seu tipo físico não correspondia às suas fantasias, que seguisse o seu destino e tudo acabaria ali, sem maiores implicações. Ronald vibrou com a excelente idéia. Algo lhe dizia que ela seria a formosa moça que haveria de corresponder aos seus anseios amorosos, como já acontecia com os espíritos de ambos.
No dia 16 de outubro, pela manhã, o aeroporto de Londres fervilhava de gente que chegava, sobretudo. Eram soldados e oficiais que foram desmobilizados e voltavam para casa. Dentre eles, descia, cabeça erguida na escada do possante avião militar, o grisalho Ronald, procurando localizar a mulher que idealizara durante quatro anos, e cujo espírito ele conhecia tão bem, a ponto de ter aprendido a amá-lo. Sobre o pórtico de um restaurante de mesas ao ar livre, lá estava uma mulher com uma rosa vermelha na mão direita. Ronald não demorou em localizá-la e observá-la há uns dez metros de distância. Tratava-se de uma mulher comum, simples, sapatos baixos, óculos tartaruga, de quem um casacão modesto escondia um corpo de singelas formas. O oficial amparou-se na parede, olhando fixamente àquela mulher que ele imaginara bela fisicamente, mas que sabia ter um espírito maravilhoso, generoso e bom. Mal podia esconder a sua frustração. Porém, mesmo assim resolveu caminhar até ela e falar-lhe. Afinal aquela afeição não poderia terminar assim, tão prosaicamente, num anonimato, depois de tudo que marcara tão fundo sua alma. E foi ao encontro daquela mulher. Frente à frente com ela por quem ainda, apesar de tudo, sentia muita ternura, disse-lhe, estendendo sua mão direita: "Trícia, eu sou Ronald!" A mulher sempre ostentando aquela rosa vermelha e bonita em sua mão junto ao peito, olhar perdido, como se nada entendesse, respondeu-lhe: "Aquela moça lá," apontando para uma mesa do café, na calçada fronteira, "deu-me uma libra, para que eu ficasse segurando esta rosa vermelha aqui. E disse-me que se um homem a mim se apresentasse , eu poderia ir-me. Adeus".
Peter voltou-se para onde uma linda mulher, elegantemente vestida, sorrindo, vinha ao seu encontro.
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