Artigo

Gestões d'hospícios - 1

Paulo Rosa
Psicanalista, psiquiatra, Hospital Espírita de Pelotas, Caps Porto
[email protected]

Há acordo entre estudiosos de que gestão de qualquer empresa é tarefa hipercomplexa. Gerir pessoas é aí a função princeps, porque são elas, as pessoas, que tornam viva a instituição, são ali a alma. Retirem-se os colaboradores e a fábrica ou o hospital ou o restaurante vira mero agregado de paredes, máquinas, computadores, almoxarifados. Para além do pessoal que trabalha, o que resta são apenas técnicas, manuais, estratégias, softwares, inteligência artificial. Nada se compara às particularidades, sempre em movimento, dos humanos. O colaborador que veio ontem não é o que aqui está hoje, ainda que atenda pelo mesmo nome. Máquinas repetem, pessoas, não. Daí o atrativo, o desafio, o complexo a levar em conta nas gentes em atividade laboral. Função maior para gestores afiados.

Pois há também convergência de que gestões d'hospício têm um plus. É que hospícios _ aqui sem conotações pejorativas, evidenciando a função de hospitalidade, via sua raiz latina, como em "hotel" _ acolhem pessoas em grave sofrimento, sob forma de variadas doenças, que requerem atenção intensa.

Esse "a mais" ao gerir tais serviços se apresenta sob formas várias. Umas, óbvias, requerem dos atendentes cuidados especiais, como dar alimento individualmente ou higienizar sempre que necessário, aos que estão impedidos de funções básicas. Outras peculiaridades, já nada óbvias, evidenciadas por estudos psiquiátricos norte-americanos, que, p.e., as funções dos gestores podem, eventualmente, ser "contagiadas" pelo funcionamento esquizofrênico dos pacientes. Na esquizofrenia, lembremos, quebra-se o funcionamento integrado do sujeito com a realidade, passando a pessoa a funcionar apenas em contato com sua realidade interior, inconsciente. "Esquizo", do grego, significa "dividido, separado". Pois tal conduta poderá presidir, inadvertidamente, decisões dos gestores que, se efetivamente analisadas, evidenciam-se desadaptadas às necessidades reais, tanto de pacientes, ou usuários, quanto de cuidadores. Em estudos empresariais elas costumam ser diagnosticadas como gestões verticalizadas, com decisões tomadas de cima para baixo, com parco ou nenhum diálogo entre gerentes e gerenciados. Algo bem distante de gestões horizontalizadas, estas com acentuada busca de escuta, não só dos cuidadores, também dos pacientes, ou usuários, além de intensa procura por integração entre os diferentes setores.

Em serviços psiquiátricos, sejam hospitais, sejam de atendimento aberto, i.e., sem internações, um risco substancial é que os cuidadores e, em especial, seus gestores, descartem os pacientes ou usuários como força participante nas tomadas de decisão. Nada mais inapropriado, e falsamente "ingênuo", do que considerar os usuários como incapazes de opinar e justificar sobre o que lhes convêm. São excepcionais, e bem visíveis, as condições de impedimento. Fora delas, há que os ouvir. Sempre.

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Anterior

O Brasil tropeçando no poder

Próximo

Nem tão Pacífico

Deixe seu comentário