Eduardo Ritter

Quem vai peitar os sites de apostas?

Eduardo Ritter
Professor do Centro de Letras e Comunicação da UFPel
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Alguns anos atrás, por um desses motivos que não nos cabe explicar publicamente, li um livro do superstar da literatura comercial e clichê Nicholas Sparks. A história até que não era tão ruim, o problema foi o final: todos os problemas dos personagens foram resolvidos quando um deles recebeu uma herança inesperada que solucionou absolutamente tudo do dia para a noite. Apesar da falta de originalidade literária, Sparks apelou para o sonho de 95% dos seres humanos, independente de nacionalidade, sexo ou religião: ganhar muito dinheiro de forma rápida e fácil.

Herança, mega sena, loteria, jogo do bicho, cassino, enfim, são várias as tentativas para que o preguiçoso e ambicioso ser humano busque o éden para, no seu imaginário, tornar-se uma espécie de rei divino em vida. Mas eis que, além do Sparks, outros gênios da psique humana e de estratégias comerciais descobriram uma mina de ouro que logo se espalhou para capturar, como se fosse uma arapuca, o ambicioso bicho homem: os sites de apostas. Nada mais simples e prático: junta-se a facilidade do acesso, o mundo online e suas brechas legais, a ambição bestial das pessoas de ficarem ricas de uma hora para a outra e a paixão pelo esporte e, rapidamente, os sites levantam de cabeça para baixo um por um, chacoalhando-os até caírem suas últimas moedas para depois partir para o próximo, infinitamente.

Quando eu era criança, lembro que colocava um pouco de alpiste em uma gaiola, ajeitava um pedaço de pau pequeno na porta amarrado a um barbante e me escondia atrás de uma árvore, esperando a chegada dos pássaros. Assim que eu saía de perto da gaiola, enchia de pardais, pombos, joões-de-barro e periquitos procurando alpiste e não demorava muito para eu pegar um. O bicho se debatia e eu logo o soltava, repetindo o processo apenas pelo prazer infantil de ver a armadilha funcionar. Pois os sites fazem isso com o não muito pensante bicho homem aos milhões e, ao contrário do que acontecia comigo, eles lucram bilhões sem fazer muita força, afinal, o ser humano ganancioso não é tão diferente das pombas mortas de fome que eu pegava. Eles entram achando que vão encontrar um monte de alpiste e, quando se dão conta, estão presos e pelados _ com raríssimas exceções.

As prisões de quadrilhas e jogadores que estão envolvidos em casos de manipulação de resultados são apenas a ponta do iceberg e, por enquanto, a corda está estourando do lado mais fraco, afinal, onde o capital impera não é difícil manter o controle da situação.

Quase todo mundo lucra em cima do coitado que sonha em ser rico, que ganha um ou dois salários mínimos e perde em alguns casos até metade do que ganhou porque não teve 15 escanteios em um único jogo. Os canais de televisão, os sites esportivos, as emissoras de rádio, enfim, quase que a totalidade da mídia esportiva está minada de anúncios dos sites de apostas. Os uniformes dos times, também. E o governo já está programando a taxação do "lucro", mesmo que na aposta seguinte o sujeito perca tudo o que ganhou. Ou seja, quem vai encarar os sites de apostas? O torcedor viciado, as empresas midiáticas ou clubes patrocinados ou o governo que já antegoza uma nova receita? Eu respondo: ninguém.

Cada um, à sua maneira, vai seguir sua trajetória saltitando, feliz da vida: os clubes, a mídia e o governo lucrando e o torcedor miserável acreditando no sonho de que vai ficar rico apostando em cartão amarelo. A má notícia para o torcedor-apostador é que ele não está em um romance do Nicholas Sparks. Um bom final de semana a todos.

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