Eduardo Ritter
Um novo dilema para a comunicação humana
Eduardo Ritter
Professor do Centro de Letras e Comunicação da UFPel
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Em pouco mais de duas décadas atuando na área da Comunicação, especialmente no Jornalismo, tive momentos de mais e de menos interesse pelas novas tecnologias. Como a geração nascida no início dos anos 1980, acompanhei a transição da TV preto e branco para a colorida, a popularização do vídeo cassete, o surgimento da TV a cabo e do computador, da antena parabólica, do DVD e, posteriormente, da internet. A partir da expansão do universo online, as linhas que separam imaginação e realidade começaram a ficar cada vez mais tênues.
Em dados momentos como, por exemplo, quando eu estava na pós-graduação cursando disciplinas de mestrado e doutorado e fazendo aulas e seminários com experts do tema, cheguei a ler muitos autores que abordam a relação entre a evolução dos meios e a sociedade, como por exemplo Henry Jenkins, Marshall McLuhan, Dominique Wolton, Pierre Levy, Manuel Castells e muitos outros. No entanto, como a minha pesquisa sempre foi mais voltada para a história do jornalismo e as relações do jornalismo com a literatura, especialmente no que diz respeito ao texto, nunca cheguei a mergulhar a fundo neste universo.
Como é público e notório, mesmo quem não se interessa pelo tema acaba sendo engolido por esse universo sem se dar conta, especialmente usuários de telefone celular e de todos seus aplicativos e possibilidades. Pois bem, logo depois do ano novo, recebi de um primo o link para uma nova plataforma online que, segundo ele, já está revolucionando tudo. Achei exagero, mas ele continuou falando, dizendo que esse tipo de programa já é usado há muito tempo em grupos fechados, especialmente dos políticos interessados em fake news e em explorar recursos de inteligência artificial para manobrar pessoas sem muita inteligência. Tratava-se do ChatGPT.
Para quem ainda não conheceu ou ouviu falar, o ChatGPT é um programa de inteligência artificial criado para produzir todos os tipos de texto e de fácil utilização. Como toda a tecnologia, ela foi criada e jogada na sociedade e se o seu uso vai ser positivo ou negativo, é o bicho homem que vai decidir. O fato é que, em todas as áreas em que se trabalha com texto - ou seja, todas - é possível construir qualquer tipo de narrativa. Eu poderia, por exemplo, ordenar ao ChatGPT: "escreva um texto opinativo, para ser publicado em uma coluna semanal do maior jornal da cidade de Pelotas, de pouco mais de uma página de Word, comentando sobre a criação e a influência do ChatGPT na sociedade". Para disfarçar, eu ainda poderia pedir: "o texto deve ter um estilo autoral e deve fazer com que o leitor acredite que não foi feito pelo ChatGPT". Não satisfeito, posso especificar ainda mais: "antes de entrar no assunto, fale um pouco sobre a evolução das tecnologias e sua influência na sociedade e cite autores reconhecidos que abordam o tema. Dê um tom pessoal à narrativa, colocando algumas frases em primeira pessoa". Pronto, a máquina poderia entregar ao leitor exatamente o texto que aqui está escrito. E quem garante que não foi a máquina? Vai saber? A questão é que, com essa tecnologia, o receptor de qualquer tipo de texto nunca vai ter certeza se realmente foi o autor que escreveu.
Como todas as tecnologias, não há como o ChatGPT ser "desinventado". Ele - e outras plataformas semelhantes - veio para ficar. E o que vem depois? Um programa de computador que vai dar as ordens para um advogado virtual fazer a defesa de uma pessoa que enfrenta um processo? Um juiz virtual que vai dar a sentença baseado em um banco de dados imenso? Um livro escrito apenas por ideias sugeridas? Uma aula ministrada por um avatar em que o aluno vai escolher o estilo do professor virtual (engraçado, sério, didático, instigador)? E o aluno, vai ser um robô também? E nós, vamos servir para quê? (!?!?!)
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