Violência

Pelotas registrou 159 casos de estupros de vulneráveis e adolescentes em 2023

Atualmente há mais de 250 procedimentos em tramitação envolvendo abuso sexual. De todos os casos de denúncias, 76 já foram indiciados

Jô Folha - DP - Promotora Luciara Robe da Silveira acredita que este número possa ser ainda maior

Até o dia 26 de dezembro, Pelotas registrou 159 estupros de vulneráveis e de adolescentes até 14 anos. No ano passado, as ocorrências somaram 154. O levantamento é da Delegacia de Polícia de Proteção da Criança e do Adolescente (DPCA). No entanto, a promotora da Infância e Juventude, Luciara Robe da Silveira, da Comarca de Pelotas, acredita que este número possa ser ainda maior. “Podemos dizer que houve, com certeza, uma facilitação das denúncias. Então, temos, sim, recebido muitos casos. Os dados são assustadores porque envolvem crianças bem pequenas”, afirmou a promotora. Segundo ela, atualmente há mais de 250 procedimentos em tramitação envolvendo abuso sexual. De todos os casos de denúncias, 76 já foram indiciados.

Ela explicou que houve alterações na legislação, criando atendimentos especializados para estas vítimas, mudando, inclusive, a forma de atendimento. Hoje elas não são mais ouvidas na Delegacia de Polícia. Há pelo menos cinco anos a Promotoria da Infância e Juventude vem trabalhando com a nova legislação, que entrou em vigor em 2018. “Realizamos muitas reuniões para criarmos estratégias e melhorar o atendimento dos casos. Na oportunidade criamos uma ficha modelo de comunicação de violação de direitos. E essa ficha passou a ser utilizada por todos os segmentos que atendem as crianças e adolescentes, como escolas, unidades básicas de saúde, órgãos de assistência social, para fazerem a comunicação dos casos de suspeita de violência sexual.

Rede de apoio
As escolas são normalmente os locais que mais fazem as comunicações. A partir da denúncia, a rede de proteção da criança é acionada. “Qualquer pessoa pode fazer a denúncia. Até pouco tempo, antes da edição das novas leis, as equipes de saúde e educação é que tinham o dever legal de fazer a denúncia. Hoje esse dever é de toda a sociedade”, apontou. Após a denúncia, a ficha é encaminhada para o Ministério Público, para a Promotoria da Infância e Juventude, para a Delegacia da Criança e para o Conselho Tutelar.

É a partir dai que a promotoria instaura um procedimento. Em seguida, um conselheiro tutelar vai até a família e encaminha a criança ou adolescente para o Centro de Referência em Atendimento Infanto-juvenil (Crai). Lá a criança recebe, além do atendimento psicossocial, uma primeira acolhida, e passa também por exames médicos. 

Se necessário, faz a ocorrência policial e já é encaminhada para exames periciais. “Procuramos centralizar no Crai todo o atendimento. E a partir desta primeira entrevista, pela equipe técnica, eles já definem se há necessidade de acompanhamento psicossocial da criança. Aí é referenciada para outros atendimentos da rede de apoio.”

Quem são os abusadores?
Ainda conforme a promotora Luciara Robe, o Crai fez um primeiro levantamento sobre quem são os abusadores. Em primeiro lugar estão os pais, seguidos dos padrastos e dos avôs. “Normalmente os abusos são cometidos no ambiente intrafamiliar e isso dificulta muito as denúncias.” No entanto, ela salienta que não existe um perfil de família, porém as denúncias partem muito mais de pessoas vulneráveis. “Mas não podemos afirmar que não aconteçam em outros setores. É que é mais inacessível”, observa.

Também não existe um perfil do agressor. “É interessante. O abusador não tem cara de abusador. Ao contrário, é aquela pessoa calma, que se aproxima das crianças e as trata bem, e isso dificulta até a própria percepção da criança de que está sendo abusada, porque normalmente é aquele familiar mais carinhoso, mais afetuoso, que leva à essa confusão de até aonde vai o carinho normal de um familiar para o abuso”, disse.

Atendimento especializado
A criança ou adolescente vítima de abuso tem hoje, na Vara da Infância e Juventude, um atendimento especializado e ele funciona muito bem, explica a promotora. Antes, os processos ficavam disseminados nas Varas Criminais. Então não tinha um atendimento prioritário. Hoje existe o depoimento especial, as crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência são ouvidas por uma equipe técnica, não ficam na sala de audiências, não têm contato com o agressor. “Há toda uma sistemática que protege as crianças e evita a revitimização. Porque o próprio processo acabava revitimizando as vítimas, pela forma como era encaminhado”, salienta.

Durante o trabalho de orientação para as famílias sobre a nova legislação, a promotora diz que é possível identificar que o trauma atinge a família toda, principalmente considerando que o abusador é um integrante da mesma. “Tem a relação, por exemplo, da mãe com o pai da criança, tem outros filhos, então tem um trauma muito grande.”

Há situações, inclusive, em que a mãe se coloca como omissa. Nesses casos a criança é acolhida pela rede e afastada da família. O ideal, conforme Luciara, é afastar o agressor e a criança permanecer com os familiares. Mas quando não é possível, a criança é colocada em acolhimento institucional e depois encaminhado para uma nova família.

Caso que choca
A promotora Luciara relata que um dos casos que mais a marcou foi de uma menina, hoje com 14 anos, que continua em atendimento na rede e se encontra em abrigo institucional. O pai abusou dela a vida inteira e ela não consegue se desprender dele. Já foi encaminhada para adoção e não consegue se adaptar, porque viveu muitos anos a situação de abuso até que houvesse denúncia e o afastamento fosse providenciado. O pai está preso, mas as sequelas, mesmo com todo o atendimento que a rede oferece, seguem presentes.

Por fim, ela coloca que a prevenção é extremamente importante. “Como é um fato de consequências muito graves à vítima e à família, seria ideal que se trabalhasse muito mais a prevenção, orientando mais as crianças. Existem campanhas, materiais didáticos e pedagógicos adequados para trabalhar com os pequenos para que eles consigam distinguir o que é um toque afetivo de um familiar e até onde já passa para uma atitude abusiva”. 

Ela coloca ainda a importância do Município adotar uma política de prevenção nas escolas. “Isso seria bem possível. Também importantíssimo o papel das famílias, de falar com a criança, explicar sobre o corpo, as partes que não devem ser tocadas e os cuidados que devem ter. Isso faz uma boa diferença”, finaliza.

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