Música

Cantora Sá Biá projeta investir em trabalho autoral

Após deixar o programa The Voice, estudante de Música Popular da UFPel conversa com o Diário Popular e fala sobre os projetos para 2023

Foto: reprodução/Rede Globo - Artista participou do The Voice no time de Michel Teló

Por Michele Ferreira
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Soltar a voz em registros altos não é apenas manifestação de arte. É ato de resistência. Ao fazer reverberar os agudos, a cada nova canção, a cantora, compositora e atriz Sá Biá reforça a luta por espaços ao público LGBTQIA+. De volta à cidade natal de Espumoso, no norte do Rio Grande do Sul, onde foi passar as datas de final de ano, a aluna de Música Popular da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) fez uma pausa para conversar com o Diário Popular. Duas semanas após ter deixado o The Voice Brasil, o tema principal não poderia ser outro: os planos para 2023, na carona da alavanca propagada pelo programa.

A produção do primeiro EP, com mescla de trabalho autoral e grandes sucessos, está na mira. A retomada de parcerias que já haviam começado com instrumentistas como Myro Rizoma também volta ao radar. A participação em um especial de Elis Regina, em março, no interior de São Paulo, ao lado de nomes como Cecília Militão - que também já passou pelo The Voice - desponta entre os projetos para o próximo ano. Há, ainda, o contrato com a Gramane Records, que precisou ser interrompido em função do programa da Rede Globo, e agora promete se transformar em um single por ano.

"Foi uma experiência desafiadora, que te empurra para o desenvolvimento", destaca a artista do time de Michel Teló. "Senti um aval ainda maior para eu continuar investindo nesse caminho e investigando a minha própria musicalidade", reitera Sá Biá. "Quero fazer boas escolhas e boas parcerias para honrar esta oportunidade". É uma caminhada que aponta em consolidar a própria identidade como intérprete e como compositora. E aproveita para adiantar uma das criações que está por vir, em uma fusão de ritmos: a marca da regionalidade, em arranjo de cordas gaúchas, somada ao forró nordestino.

Palco sob os pés desde a infância

Sá Biá começou carreira dentro do regionalismo gaúcho - Foto: arquivo pessoal - DP

Sá Biá ainda não se reconhecia como pessoa trans e já estava nos palcos. Era 2007, quando aos dez anos de idade, Sá de Moraes Pretto participou do Festival Municipal do Intérprete Estudantil e do Festival Regional da Canção. Começava ali uma trajetória que nunca mais parou. O guri, que já cantava em regiões agudas e buscava inspiração em Michael Jackson, passava a fazer parte do coral municipal Professora Ondina Landim Cardoso, em que ajudou a interpretar Thriller. Foi a primeira grande referência.


Na adolescência, ao conquistar o primeiro emprego - na Rádio Planetário - fazia questão de aproveitar o salário para comprar CDs e materiais relacionados à cantora, compositora e multi-instrumentista britânica Amy Winehouse. "Era a minha diva", conta.

Hoje, aos 25 anos, Sá Biá segue bebendo em várias fontes. A cantora trans Filipe Catto, Tetê Espíndola e seus muitos 'pássaros na garganta', Elis Regina, Gal Costa e Lupicínio Rodrigues destacam-se entre os artistas que servem de base à gaúcha da pequena Espumoso.

Vida artística começou também em ambiente nativista

Os troféus estão guardados, com carinho. São cerca de 120, entre as vitórias conquistadas em provas artísticas em rodeios, em declamações e também em interpretações de Música Popular Brasileira (MPB) em diferentes festivais. Ainda na infância, como integrante do Grupo de Arte Nativa Sepé Tiaraju, Sá, não raro, estava em ambiente cercado de conservadorismo. E admite: se gostava de estar junto às meninas, não era porque pretendia ser mulher: "Estar com elas era mais confortável, menos preconceituoso".

Quando estavam definindo quais das crianças e jovens iriam representá-los em cada uma das modalidades, a chula estava vetada para Sá - ainda que não oficialmente. "Eu rebolaria demais", ficava nas entrelinhas. "E a chula é a manifestação da masculinidade gaúcha", afirma. Investir na potência vocal, portanto, foi sempre um caminho.

E em 2018, então, Sá de Moraes Pretto passa a apresentar-se como Sá Biá; período que coincide com a transição de gênero. "A Sá Bia vem em um processo de afirmação existencial enquanto Sá, pessoa trans de gênero não binário", explica. E é enfática ao dizer que o ambiente binário e machista dos Centros de Tradições Gaúchas (CTGs) contribuíram para este ser não binário de hoje. "Muitas vezes eles não aceitavam que eu, de gauchinho, fizesse penteados em uma invernada inteira", relembra. "Melhorou, mas ainda é um ambiente machista. Ainda temos muito a avançar como sociedade", reitera.

E, ao despedir-se do Diário Popular, Sá Biá também fez questão de reiterar. Neste momento em que colhe os frutos da repercussão nacional do The Voice, e viu o número de seguidores no Instagram saltar de três mil para 20 mil em poucos dias, ela quis estar perto da família: da mãe Ivone, do pai Luís Carlos e das irmãs Eduardi e Sandra Moraes Pretto. "Fiz questão de estar perto das pessoas que já me amavam, que me relembram o que é importante e quem sou eu", destaca.

É hora, então, de alimentar projetos para 2023 e adubar todo o afeto recebido por familiares, amigos e admiradores. A transfobia, que também destilou pelas redes sociais, Sá Biá denuncia e combate. E faz, mais uma vez, a arte como ferramenta de resistência. Porque sabiá, o pássaro, não canta em cativeiro. E a Sá Biá, artista, não terá limites para guardar a voz. Basta soltá-la. E, logo, ela navega por registros altos.

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