Estrutura deficiente

Combinação de descaso com desorganização

Falta de fiscalização sobre os reais contemplados e o alto índice de inadimplência tornam a manutenção dos residenciais ainda mais difícil

Gabriel Huth -

Na segunda parte da reportagem em que a equipe do Diário Popular esteve em alguns dos principais empreendimentos do programa Minha Casa, Minha Vida construídos em Pelotas para população de baixa renda, você confere os transtornos enfrentados por famílias que estão em casas com estrutura deficiente. Além disso, a falta de fiscalização sobre os reais contemplados e o alto índice de inadimplência tornam a manutenção dos residenciais ainda mais difícil. Confira o que dizem os moradores e as respostas das autoridades.

Casas se desmanchando e nenhum dinheiro em caixa
É difícil acreditar, mas um condomínio inteiro entregue há pouco mais de três anos e meio já está, literalmente, se desmanchando. É o caso do Residencial Haragano, no Jardim Europa, Zona Leste da cidade. Erguidas a partir de módulos de madeira reflorestada que, segundo os próprios anúncios e discursos da época, seriam inovadores e barateariam a obra em 15% e agilizariam a construção, os 270 sobrados e dez casas térreas atualmente acumulam problemas. Infiltrações no teto e paredes, rede elétrica frágil, pisos e azulejos caindo são apenas alguns dos transtornos pelos quais passam as famílias. “E quando tem vento? Já acordei no meio da noite com a casa balançando, parece que vai sair tudo voando. Um temporal ainda vai derrubar uma casa”, diz Ângela Roberta, 44, moradora do bloco J.

Síndica há um ano e meio, Daura Regina Medeiros, 58, não sabe por onde começar na hora de mostrar os graves estragos na estrutura do condomínio que se ampliam em tão pouco tempo após inaugurado. “Os armários de luz estão rachados, quase caindo, com fios derretendo. A CEEE já avisou que a qualquer hora pode dar incêndio e morrer gente aqui”, exclama. No pátio, piso e tampas quebradas expõem fios elétricos que, com o acúmulo de água da chuva, dão choques e viram armadilhas para as crianças. Na cobertura das casas, pedaços do acabamento estão caindo pouco a pouco.

Embora muitos dos problemas já tenham sido reconhecidos pela Caixa (financiadora da obra) como de responsabilidade da construtora, mesmo que quisesse custear emergencialmente algum reparo para fugir da burocracia, a síndica não conseguiria. A vontade esbarraria na alta inadimplência da cota condominial. Bem acima da média de outros residenciais do tipo, como Buenos Aires e Montevideo, por exemplo. Enquanto nos empreendimentos da avenida Fernando Osório metade dos 480 moradores mantêm-se em dia (o que já inviabiliza manter em dia pintura, jardinagem e outras melhorias), no Haragano apenas 52 famílias pagaram suas partes no último mês (18,6% do total). Resultado: arrecadação mensal de R$ 2,8 mil e dívida acumulada de R$ 447 mil. “Mal dá para pagar um porteiro e fazer alguma coisa de limpeza, um roçado”, diz, resignada, Daura.

A sensação de impotência se amplia, tanto no Haragano quanto no conjunto Montevideo e Buenos Aires, diante da quantidade de moradores que não são os verdadeiros beneficiários das moradias. Em ambos os condomínios, a queixa é de que não há fiscalização após a entrega dos imóveis, seja por parte da prefeitura através da Secretaria de Habitação e Regularização Fundiária (SHRF) ou da Caixa, financiadora dos empreendimentos. O resultado é que, além de invasões, vendas e alugueis, há casas e apartamentos que tiveram suas estruturas alteradas, fugindo do padrão dos residenciais.

“Não recebemos qualquer tipo de suporte, fiscalização e atenção desde a inauguração. Hoje, só uns 40% dos moradores são os contemplados e que realmente tinham direito aos apartamentos. Além desse problema de compra e venda de apartamentos, as mudanças em encanamentos e instalações estão se agravando”, relata Leandro Borges, 38, síndico do Buenos Aires.

CONTRAPONTOS
A seguir, a posição de cada órgão público a respeito dos itens apresentados nas edições da segunda-feira e desta terça.

Problemas internos nos residenciais
A Caixa afirma que oferece suporte aos mutuários da faixa 1 do Minha Casa, Minha Vida com ouvidoria específica. No caso de reclamações sobre danos físicos nos imóveis, faz a intermediação com a construtora. Segundo o banco, os danos físicos de responsabilidade da construtora são exclusivamente aqueles oriundos de vícios de construção, reclamados dentro dos prazos legais de garantia. Em caso de divergências entre mutuário e construtora quanto à responsabilidade pelo dano, são feitas vistorias de avaliação.

O Sindicato da Indústria da Construção e Mobiliário (Sinduscon) afirma ter encaminhado à Caixa documento em agosto do ano passado em que sugere a criação de um fundo para manutenção dos condomínios do programa Minha Casa, Minha Vida durante até dez anos após a entrega e ampliação do conceito de micro bairros planejados nos residenciais, com estrutura escolar, de saúde e comércio. As empresas dizem compreender as carências existentes, mas destacam que mesmo com todos os problemas as moradias são bem melhores que os locais de risco e em situação de vulnerabilidade social habitados anteriormente pelas famílias.

A Secretaria de Habitação e Regularização Fundiária (SHRF) diz que os imóveis são propriedades dos bancos financiadores, sendo deles a responsabilidade de saber se os moradores que vivem nas residências são os originais e de fazer a eventual retomada do imóvel em caso de invasão ou descumprimento das regras do programa. Conforme o secretário Ubirajara Leal, durante trabalho técnico-social para diagnóstico de interesse dos moradores em cursos de qualificação eventualmente são flagrados casos de moradores que não estão entre os beneficiários originais, o que é repassado aos bancos financiadores.

Atendimento de saúde
Conforme a Secretaria Municipal da Saúde (SMS), sempre que um novo empreendimento é feito há uma avaliação do número de moradores conforme critérios do Ministério da Saúde que estabelecem a quantidade de equipes e profissionais de apoio. Sobre a falta de atendimento no Loteamento Eldorado, a secretária Ana Costa diz que aguarda recursos federais para ampliar atendimento na região na UBS União de Bairros em parceria com a UCPel. A nova equipe foi aprovada pelo governo em setembro e está credenciada. “Em poucos dias estaremos com a equipe dando apoio para o Eldorado”, assegura.

Insegurança
A Secretaria de Segurança Pública (SSP) admite que o patrulhamento com a Guarda Municipal não é suficiente para evitar a violência dentro e nos arredores dos condomínios. A expectativa é ampliar o trabalho de prevenção com a contratação de 80 novos agentes através de concurso público. “Estamos trabalhando também em uma proposta de mutirão em que as forças de segurança possam ir até os condomínios para fiscalizar e coibir crimes como o tráfico de drogas e invasões”, afirma o secretário Aldo Bruno Ferreira. Outro plano é interligar câmeras de segurança nestes locais ao Gabinete de Gestão Integrada Municipal (GGIM) para monitoramento em tempo real.

A Brigada Militar afirma planejar o policiamento levando em conta o quantitativo da população, o índice de ocorrências, a tipificação dos registros criminais e outras características de cada local. Sobre os crimes no transporte coletivo, o subcomandante do 4º Batalhão de Polícia Militar, major Marcio Facin, aponta operações recentes dentro dos ônibus em vários bairros da cidade em parceria com a Guarda Municipal, agentes de trânsito e a Metroplan.

Transporte coletivo
De acordo com a Secretaria de Transportes e Trânsito (STT), a cada novo residencial ou loteamento é feita avaliação das linhas disponíveis mais próximas para atender a demanda. “Podem existir problemas pontuais. É importante que sempre que houver alguma falha os usuários entrem em contato com a secretaria para que possamos checar no nosso sistema o que está ocorrendo”, recomenda o secretário Flávio Al Alam. Segundo ele, o índice de pontualidade dos ônibus é de 95%. Sobre as queixas de superlotação, diz não haver notificações e reforça o pedido para que sejam registradas as reclamações pelo telefone 3227-5402, pelo aplicativo Colab ou no site da prefeitura.

Educação
A Secretaria Municipal da Educação e Desporto (Smed) diz que nenhuma criança de quatro ou cinco anos está sem vaga na educação infantil. “Todas estas têm suas vagas asseguradas e, caso alguma esteja fora, os pais já deveriam ter procurado a Central de Matrículas para que comecem a frequentar as aulas”, diz o secretário Arthur Corrêa. Segundo ele, a carência existente é para crianças entre zero e três anos que, conforme a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), os municípios têm até 2024 para garantir vagas a 50% da demanda. Sobre a escola infantil do Loteamento Eldorado, Corrêa diz aguardar o desbloqueio de recursos federais para retomar o projeto, abandonado pela empresa contratada originalmente. Quanto às demais escolas, o secretário aponta o crescimento da demanda sobre os educandários municipais como um fator que dificulta o planejamento. “Ninguém quer estudar em escola do Estado. Isso aumenta nossa demanda, pois de uma hora para a outra surgem pedidos de matrículas”, justifica.

Problemas de água e escoamento
O Sanep aponta que para todo empreendimento da cidade é feito um estudo das condições de abastecimento da região e, se necessário, ajustes são feitos em parceria com as construtoras. “Também exigimos algumas condições como, por exemplo, a existência de reservatórios de água nos condomínios capazes de suprir a necessidade dos moradores”, explica o diretor-presidente, Alexandre Garcia. Segundo ele, a autarquia fará uma análise das razões para a baixa pressão no Eldorado para buscar uma solução. Já com relação às contas, sugere aos moradores com cadastro no Bolsa Família ou que tenham baixa renda que vão até o Sanep e solicitem a tarifa social, mais barata. Sobre os transtornos no saneamento, esclarece que problemas de alagamentos dentro dos residenciais são de responsabilidade dos condomínios e em caso de falhas externas o Sanep pode ser comunicado.

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Antes do retorno às aulas Anterior

Antes do retorno às aulas

Nova data para receber as propostas da coletiva do lixo Próximo

Nova data para receber as propostas da coletiva do lixo

Deixe seu comentário