Indignação

Esquecidos: casal de idosos completa duas semanas sem luz

Enquanto CEEE Equatorial mantém resposta protocolar, moradores da Estrada do Abolengo são os únicos da vizinhança no escuro

Foto: Carlos Queiroz - DP - Além dos problemas de saúde, casal de idosos agora enfrenta outro problema: a falta de luz

Passava das 20h do último dia 12 quando o casal Laziro Machado Conceição, de apelido Tenente, 75, e Zoaldina Silveira Faria, a Diná, 69, ficou sem luz em razão do ciclone que atingiu a Zona Sul. Nesta quarta-feira (26) completam duas semanas daquele dia e a situação continua a mesma. Eles moram na Estrada do Abolengo, no Areal, que na última sexta-feira (14) teve o fornecimento de eletricidade retomado após protestos de moradores. Restaram ambos como exceção. Supostamente por problemas no poste à frente da casa, a luz ainda não voltou.

Para o básico, como estocar uma ampola da insulina essencial para o controle da diabetes dela (o restante fica na casa de um vizinho, que já tem luz), tomar banho e carregar celular, a saída do casal foi alugar um gerador, que funciona por poucas horas durante a noite, basicamente para o chuveiro e dar uma sobrevida aos produtos na geladeira, mantendo a camada de gelo que conserva os alimentos e medicamento. Ainda assim, o eletrodoméstico exalava um cheiro forte ontem (terça-feira), possivelmente por conta de algo que estragou.

O custo entre aluguel e óleo para combustível para o gerador gira em torno de R$ 75 por dia. Ou seja, o gasto já beira R$ 1 mil desde que o abastecimento de energia foi interrompido. Praticamente o salário do mês do casal que vive com pouco, apenas a aposentadoria recebida por Seu Tenente, o que restou após 38 anos como contribuinte, trabalhando como operador de máquinas.

Dona Diná, além de diabética é cardíaca. "Tenho três pontes de safena, molinha e marcapasso", diz, apontando para o peito. Ela toma sete tipos de remédios, além da insulina e da bombinha para asma. O pedido dos médicos, conta, é para que mantenha repouso total. Para cumprir a orientação, costuma ter a televisão como parceira para lidar com a apatia. Há duas semanas, no entanto, nem isso. Fã de novelas, questionava com curiosidade a reportagem do DP sobre o destino dos personagens da trama que costumava acompanhar.

Seu Tenente também não abre mão da TV, onde gosta de estar atento aos noticiários, especialmente os esportivos. Apaixonado pelo Internacional, demonstrava desânimo por não ter assistido nenhuma das partidas recentes do time, que até trocou de treinador nesse meio tempo de escuridão em casa. Pouco empolgado com a chegada do técnico argentino Eduardo Coudet, outro estrangeiro surpreendeu ele: enquanto elogiava o goleiro John, descobriu pela reportagem do Jornal que este não é mais titular do time e que o uruguaio Sergio Rochet é a nova aposta na posição. Espantado, disse que sequer sabia da chegada do arqueiro, anunciado um dia após a luz cair e não voltar mais.

Outro hábito tão comum do dia a dia é uma falta sentida: a aguinha gelada. Dona Diná diz não gostar dela em temperatura ambiente, mas já são 15 dias tendo que tomar só da torneira. Mas e diante dessa situação toda, como fazem para passar o tempo? Seu Tenente gosta de ficar na volta dos bichos. Cria ovelhas, galinhas, angolistas e vários cães. Dona Diná vê o tempo passar sentada, esperando que a CEEE Equatorial lembre da existência de ambos e religue a energia.

Enquanto isso, roupas sujas acumulam. Ela, por não poder fazer esforço, não consegue lavar no tanque. Ele, por não saber muito bem executar a tarefa, acaba não dando conta. Sem energia, sem máquina de lavar.

A demora diante do abandono por duas longas semanas sem atendimento pela concessionária de energia causa angústia. Apesar da recomendação de repouso, o estresse aparece. "Quem é que não vai ficar nervosa?", questiona Diná. A saída é conversar. São 37 anos juntos, com três filhos. "A gente se deita, fica conversando e esperando passar o tempo", diz Tenente.

Aniversários no escuro
A vida vem sendo à luz de velas. Quase um pacote por dia. Só não usam mais por medo de incêndios. Na segunda-feira (24), foi aniversário dele. Na terça, dela. Embora eles não costumem comemorar nas datas, já que nos documentos oficiais ambos foram registrados por seus pais em setembro - um costume antigo -, o início de um novo ciclo foi mais frustrante. Os filhos ligam frequentemente para saber se a luz voltou. O trio - um rapaz mais velho e um casal de gêmeos, todos na casa dos trinta anos, são o orgulho do casal.

À noite, sem a novela e os noticiários, o jeito é dormir mais cedo. Há duas semanas, ao acordar, Seu Tenente estabeleceu um novo hábito à rotina: leva a mão ao interruptor na fé de que a luz vai acender. E se decepciona. Na terça, dizia ter ouvido falar sobre a perspectiva de novo ciclone atingir a região. "É o que ouço falar. Como não consigo ver televisão, não fico sabendo", lamentava, preocupado.

Situação
Desde a volta da luz dos vizinhos, as equipes da CEEE Equatorial já foram quatro vezes na casa de Tenente e Diná. Toda vez, o mesmo procedimento sem resultado: algum servidor olha o equipamento do poste que é a razão do problema e diz que é serviço para funcionários com um caminhão executarem. "É todo dia uma desculpa", desabafa Seu Tenente. A expectativa é que a vizinhança, em conjunto, entre com uma ação judicial pelos danos sofridos.

Questionada pela reportagem, a resposta da CEEE Equatorial repete o de sempre. "Sobre o caso da Estrada do Abolengo, confirmamos que está tudo normalizado na região, restando esta UC [unidade consumidora] informada, cuja ocorrência foi aberta em 22 de julho. Ela depende de caminhões para manutenção pesada de rede. Estamos dando prioridade e a tendência é que o chamado seja atendido nesta quarta" Apesar do que disse a companhia, até o fechamento desta edição na noite de ontem (terça-feira), nenhuma equipe tinha aparecido no local.

Sobre a situação geral, outra resposta protocolar da CEEE Equatorial. "Estamos trabalhando na normalização da distribuição para os pontos sem abastecimento com maior dificuldade." No último domingo, o presidente da companhia, Raimundo Bastos, em rápida passagem por Pelotas junto com o governador Eduardo Leite (PSDB), pediu desculpas pela situação e prometeu, no mesmo dia, a retomada dos serviços normais. Como se vê pela situação de Seu Tenente e Dona Diná, além de outros tantos moradores de localidades da Zona Sul, a promessa não foi cumprida.

Depois de publicada a matéria no site do Diário Popular, uma equipe da companhia esteve na casa do casal e restabeleceu a energia elétrica por volta da 22h30min. 

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