Mulheres

Jornada dupla em busca de um sonho

Diário Popular conta as experiências de quem concilia a vida acadêmica ao cuidado dos filhos, realidade para várias mulheres em Pelotas

Paulo Rossi -

Keila ainda não dormiu, apesar de ser ainda madrugada - 4h. É que ela, como muitas outras mães universitárias, aproveita a madrugada para estudar e se dedicar à faculdade. Além de provas, trabalhos e prazos apertados, também fazem parte de sua rotina atividades como trocar fraldas, amamentar e participar de reuniões de escola. Para alcançar o sonho do diploma, as mães universitárias encaram uma jornada cansativa, enfrentam olhares preconceituosos e, por vezes, lidam também com a falta de apoio da universidade.

Keila Ortiz, 26 anos, é mãe de Lívia, de três. Acupunturista e aluna do curso de Psicologia da UFPel, une o emprego e a graduação a um outro desafio, ainda maior: o de ser mãe. Por vezes, essa rotina exige o sacrifício de horas de lazer e também de sono. Seu Trabalho de Conclusão de Curso foi escrito inteiramente durante as madrugadas, após dias extensos que terminavam às 3h e recomeçavam às 8h. A dez dias do prazo da entrega do trabalho final, Keila teve um imprevisto: Lívia desenvolveu amigdalite. A estudante se viu obrigada a dividir seu tempo entre as extensas leituras e pesquisas e o cuidado com a filha doente. “A faculdade é um enorme calendário com datas, limites e prazos para cumprir. Mas a maternidade não. A maternidade é uma caixinha de surpresas”, resume.

Nataska Pinheiro, 23 anos, vive uma realidade parecida. Quando foi aprovada no curso de Pedagogia da UFPel, por meio do Enem, chegou a pensar em não cursar. “Fiquei insegura, achava que não ia conseguir dar conta.” Mesmo assim, resolveu tentar. Todas as tardes, Nataska leva Isabel, sua filha mais velha, de seis anos, para a escola. Depois, segue para a faculdade com Arthur, de oito meses, no colo. Os trabalhos da faculdade ficam para a madrugada, depois de ajudar Isabel com as tarefas da escola e fazer Arthur dormir. Ela não repensa sua escolha, apesar das dificuldades. “Tive um amadurecimento muito grande”, diz.

Já para Vanessa Boettge, 38 anos, a educação significou um novo caminho. Atualmente acadêmica de Letras, ela trabalha desde os 14 anos. Estudar não fazia parte de seus planos, já que a universidade representava uma realidade distante. “Nunca me imaginei ser capaz”, conta. Antes de iniciar a graduação em Letras na UFPel, Vanessa começou outros dois cursos. O trabalho e as responsabilidades em casa a obrigaram a abandonar o primeiro. Já na segunda tentativa, uma gravidez de risco fez com que, novamente, o sonho de estudar fosse adiado.

Aos 30 anos, Vanessa se viu casada e vítima de um relacionamento abusivo. Ela encontrou nos estudos uma maneira de sair da situação em que vivia. “Eu precisava sair daquela prisão e ser autossuficiente, por isso resolvi estudar. Eu criei a minha saída”, conta. Hoje, ela vive apenas com o filho, Joaquim, de sete anos. À noite, ele a acompanha em todas as aulas. Além de estudar e cuidar do filho, Vanessa vende bolos de pote para complementar a renda. A rotina é cansativa mas, segundo Vanessa, vale a pena: “A educação me tirou daquela vida”, relata. Depois da faculdade, Vanessa planeja dar aulas em escolas públicas: “Alguém precisa inspirar os jovens, as pessoas precisam saber que elas podem, independentemente das dificuldades”.

Preconceito ainda é uma realidade
Desde os três meses de vida, Lívia acompanha a mãe, Keila, em algumas aulas. Embora seja um direito da aluna, nem todos reagem bem à presença de uma criança em sala de aula. Para uma das professoras da estudante, sua filha atrapalharia a aula. “Essa situação é natural para você que é mãe, seus colegas estão aqui para estudar e não para ouvir choro de criança”, teria dito a professora. Keila se viu obrigada a desistir da disciplina naquele semestre. “Cursei apenas disciplinas em que recebi apoio e respeito”, conta.

Já Vanessa, conta nunca ter enfrentado dificuldade com os professores, embora alguns colegas a olhem com certo preconceito, chegando até a evitar sentar ao seu lado ou mudar de mesa no RU (Restaurante Universitário). “É como se a universidade não fosse o nosso lugar”, desabafa. Nataska confirma o relato das outras mães. “Me olham estranho, principalmente por ser nova”, conta.

Falta de estrutura também é um problema
Além da rotina cansativa e do preconceito, a falta de estrutura da universidade é outra adversidade enfrentada pelas mães graduandas. Nataska, que precisa amamentar e trocar Arthur, não encontra locais adequados para essas atividades em seu campus, o ICH (Instituto de Ciências Humanas). “Acabo tendo que trocar ele nos sofás mesmo”, conta. Já Vanessa, luta pela construção de uma área de convivência para as crianças filhas de mães que estudam no Campus Anglo, o maior da universidade.

No último dia 8 de março, Dia da Mulher, a UFPel divulgou um plano de ações visando à inclusão das mães universitárias. Entre as ações previstas, estão a adequação dos espaços às necessidades das crianças e o apoio financeiro e psicológico às mães. Atualmente, as estudantes podem solicitar, a cada novo semestre, o auxílio pré-escolar. São R$ 321,00 direcionados a mães de crianças entre zero e cinco anos.

Segundo Rosane Brandão, coordenadora de Políticas Estudantis da Prae (Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis), planeja-se, para o próximo semestre, a construção de um fraldário no Campus Anglo e no campus ICH II. Também estão previstas ações de sensibilização de professores e alunos para garantir que as crianças possam acompanhar as mães nas aulas. “É preciso fazer com que esse direito seja reconhecido”, explica Rosane. Além disso, a coordenadora planeja uma reunião com colegiados dos cursos e estudantes interessados, para escutar suas demandas.

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