Crônica

Incontrolável

Por Maria Alice Estrella

Cronista e poetisa


Por mais que se planejem os dias numa agenda, algumas vezes amontoada de afazeres, anotações e listas de atividades a realizar, não se consegue escapar dos imprevistos.  Daqueles momentos em que os relógios se atrasam, as pessoas se desencontram e o dito fica por não dito.

Um só contratempo e todo o previsível se transforma em bolha de ar nas mãos do imprevisto.  E a agenda fica como um trem descarrilado, fora de lugar, amontoado e desconexo.

E a vida no seu contexto generalizado não escapa das malhas do imprevisto. Aliás, ela se alimenta dos imprevistos.

Elaboramos um cronograma para organizar o nosso cotidiano. No papel fica tudo muito coordenado. Para não darmos chance ao azar, encadeamos os horários como se fossem submissos e obedientes instrumentos sob nosso serviço. Raramente, deixamos espaço para os imprevistos.  E, de repente, sem aviso prévio, se desmonta a estrutura do nosso dia por causa de uma simples contrariedade.  Uma contrariedade que faz ruir todo o esquema tão bem determinado anteriormente.  E os planos ficam impedidos de acontecer.

Conheço muita gente que tem a pretensão de agarrar o tempo com as mãos, tentando fazer da vida um espetáculo com roteiro subjetivo.  Determinam o enredo, programam o início e o fim de cada tarefa, desenham o figurino, elaboram a coreografia, escolhem a iluminação.  E, muitas vezes, são a própria plateia de seus espetáculos.  Tudo muito coordenado, estipulado, medido, pensado. Mas se algum acontecimento contrário ao seu planejamento ocorre, tudo se desmorona e é um “Deus nos acuda”.  

A natureza está fazendo isso com o sul do Brasil.

Desolados, os gaúchos protagonizam a catástrofe que se abate sobre a população.

Planos desfeitos, rotinas alteradas frente a incontrolável força das águas e à mercê da direção dos ventos.

Desabrigados, saindo de suas moradias, perdendo seus bens, dependendo do auxilio que lhes for possível conseguir. Vidas perdidas engolidas pelos rios em sua correnteza impiedosa que causa desmoronamentos e invade o solo desses pagos sem pedir licença.

O desafio do incontrolável chegou à realidade de todos os lares do Rio Grande do Sul. Todos afeados pelo desastre climático. A tristeza e a preocupação atingem a todos. Irmãos de sangue, sejamos maragatos ou chimangos, olhamos para a nossa bandeira tremulando e suspiramos com um calor que vem do peito e se extravasa na voz engasgada relembrando as palavras do nosso hino.  “Mostremos valor e constância nessa ímpia e injusta guerra”.

Em meio a tudo isso assistimos a solidariedade tomando as rédeas e se desdobrando para ajudar aos mais necessitados. Uma corrente de voluntários se desdobra e se estende como rede de luta contra a intempérie nessa terra de fortes, aguerridos e bravos. A nossa história de façanhas nos precede e é nela que buscamos forças para a reconstrução.

A ajuda chega de todos os cantos da pátria amada Brasil numa demonstração de empatia, afirmando que o Rio Grande do Sul não está solitário no enfrentamento da maior crise que o assolou até os tempos de agora.

Desafios imensuráveis se colocam a frente desse povo valoroso. Revezes e vitórias se sucedem como o ir e vir das águas que nos cerceiam.

O incontrolável cederá as rédeas para os bravos e fortes, mais dia, menos dia. Ele não leva em conta o imprevisível de que é capaz “a virtude” desse povo gaúcho.

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